Bilac escreveu uma obra prima em "Surdina", um poema que lembra os de Verlaine. Nele existe uma atmosfera naquela noite fria. Na escura paisagem, em neblina, uma estrada, um destino, um medo, um coração vazio, algo morreu, o amor morto, o sonho destruído, ninguém, não há ninguém, só o frio, o sino, a neblina, o silêncio.


Surdina


No ar sossegado um sino canta,
Um sino canta no ar sombrio...
Pálida, Vênus se levanta...
Que frio!


Um sino canta. O campanário
Longe, entre névoas, aparece...
Sino, que cantas solitário,
Que quer dizer a tua prece?


Que frio! embuçam-se as colinas;
Chora, correndo, a água do rio;
E o céu se cobre de neblinas.
Que frio!


Ninguém... A estrada, ampla e silente,
Sem caminhantes, adormece...
Sino, que cantas docemente,
Que quer dizer a tua prece?


Que medo pânico me aperta
O coração triste e vazio!
Que esperas mais, alma deserta?
Que frio!


Já tanto amei! já sofri tanto!
Olhos, por que inda estais molhados?
Por que é que choro, a ouvir-te o canto,
Sino que dobras a finados?


Trevas, caí! que o dia é morto!
Morre também, sonho erradio!
A morte é o último conforto...
Que frio!


Pobres amores, sem destino,
Soltos ao vento, e dizimados!
Inda vos choro... E, como um sino,
Meu coração dobra a finados.


E com que mágoa o sino canta,
No ar sossegado, no ar sombrio!
- Pálida, Vênus se levanta.
Que frio!