Obituário: Laura Pollán, 63
Por Flávio Bittencourt Em: 16/10/2011, às 15H45
[Flávio Bittencourt]
Obituário: Laura Pollán, 63
Em Havana, na última sexta-feira, morreu a líder do movimento cubano Damas de Branco.
JULIA SOLER:
"(...) Pollán [LAURA POLLÁN] era professora de literatura. Com a prisão de seu marido Héctor Maseda Gutiérrez em 2003, largou sua profissão e passou a caminhar pelas ruas de Havana, silenciosamente, até a Igreja de Santa Rita juntamente com outras mulheres em protesto para a libertação de seus maridos, era assim a líder do grupo denominado Damas de Branco, que fora fundado por ela, Berta Soler e outras mulheres. Durante sete anos estas mulheres caminhavam, até que em 2010, num acordo intermediado pela Igreja e a Espanha, Cuba soltou boa parte dos dissidentes. Seu marido foi libertado em fevereiro de 2011.
Recebeu em 2005 o Prêmio Sakharov do Parlamento Europeu e em 2006 o Prêmio Human Rights First. (...)"
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Laura_Poll%C3%A1n)
LAURA POLLÁN
(foto: AG. REUTERS):
EM MEMÓRIA DA PROFESSORA LAURA INÉS POLLÁN TOLEDO
(1948 - 2011), LÍDER, ao lado de BERTA SOLER e outras mulheres,
DO MOVIMENTO DENOMINADO DAMAS DE BRANCO,
NASCIDO NO SEIO DA RESISTÊNCIA SOCIAL, EM CUBA
16.10.2011 - Há aproximadamente 450 anos Etienne de la Boétie, no Discurso da Servidão Voluntária, pronunciou-se vigorosamente contra regimes políticos opressores e governos que se caracterizavam por ser tiranos - Em Cuba, anteontem, sexta-feira, 14.10.2011, faleceu LAURA POLLÁN, que lutava contra abusos do regime de Fidel Castro. F. A. L. Bittencourt ([email protected])
"MUNDO
Publicado em 15-10-2011 as 01h09
Morre líder do movimento cubano Damas de Branco, dizem fontes
Laura, de 63 anos, havia sido internada há uma semana em uma clínica de Havana e desde então seu estado de saúde havia sido informado como "muito grave" devido a uma insuficiência respiratória de origem viral, que fez os médicos conectá-la a um respirador artificial pouco depois.
Familiares e amigos informaram mais cedo nesta sexta-feira que Laura havia sido submetida a uma traqueostomia.
"Laura Pollán acaba de morrer", disse a blogueira Yoani Sánchez em sua conta no Twitter.
Minutos antes, a filha de Laura, Laura Labrada, disse por telefone à Reuters que foi avisada que sua mãe sofrera uma parada cardíaca.
"Estou a caminho do hospital, me ligaram para dizer que minha mãe teve uma parada cardíaca", disse Labrada.
Bertha Soler, também fundadora do Damas de Branco, confirmou à Reuters a morte de Laura e disse que também foi informada de que sua amiga "havia sofrido uma parada cardíaca".
Laura, uma professora de profissão, ficou conhecida por marchar desde 2003 pelas ruas de Havana junto a um grupo de mulheres vestidas de branco para exigir do governo a libertação de dezenas de dissidentes cubanos condenados naquele ano a penas de entre 6 e 28 anos de prisão.
Seu marido, Héctor Maseda, foi um dos 75 presos e condenados em 2003 a 20 anos de prisão.
Laura pediu no ano passado ao cardeal cubano Jaime Ortega que intercedesse por elas e seus familiares presos ante o governo da ilha comunista.
Esse foi o empurrão para um diálogo inédito entre a Igreja e o governo de Raúl Castro que levou à libertação de dezenas de presos políticos, a maioria enviada para a Espanha com seus familiares.
(Reportagem de Rosa Tania Valdés)"
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Comparato: A servidão voluntária
A SERVIDÃO VOLUNTÁRIA
por Fábio Konder Comparato, via Paulo Henrique Amorim
As rebeliões populares que sacodem atualmente o mundo árabe têm, entre outros méritos, o de derrubar, não só vários regimes políticos ditatoriais em cadeia, mas também um mito político há muito assentado. Refiro-me à convicção, partilhada por todos os soi-disant cientistas políticos, de que um povo sem organização prévia e não enquadrado por uma liderança partidária ou pessoal efetiva, é totalmente incapaz de se opor a governos mantidos por corporações militares bem treinadas e equipadas, com o apoio do poder econômico e financeiro do capitalismo internacional.
Pois bem, há quatro séculos e meio um pensador francês teve a ousadia de sustentar o contrário. Refiro-me a Etienne de la Boëtie, o grande amigo de Montaigne. No Discurso da Servidão Voluntária, publicado após a sua morte em 1563, ele pronunciou um dos mais vigorosos requisitórios contra os regimes políticos e governos opressores da liberdade, de todos os tempos.
Seu raciocínio parte do sentimento de espanto e perplexidade diante de um fato que, embora difundido no mundo todo, nem por isso deixa de ofender a própria natureza e o bom-senso mais elementar. O fato de que um número infinito de homens, diante do soberano político, não apenas consintam em obedecer, mas se ponham a rastejar; não só sejam governados, mas tiranizados, não tendo para si nem bens, nem parentes, nem filhos, nem a própria vida.
Seria isso covardia? Impossível, pois a razão não pode admitir que milhões de pessoas e milhares de cidades, no mundo inteiro, se acovardem diante de um só homem, em geral medíocre e vicioso, que os trata como uma multidão de servos.
Então, “que monstruoso vício é esse, que a palavra covardia não exprime, para o qual falta a expressão adequada, que a natureza desmente e a língua se recusa a nomear?”
Esse vício nada mais é do que a falta de vontade. Os súditos não precisam combater os tiranos nem mesmo defender-se diante dele. Basta que se recusem a servi-lo, para que ele seja naturalmente vencido. Uma nação pode não fazer esforço algum para alcançar a felicidade. Para obtê-la, basta que ela própria não trabalhe contra si mesma. “São os povos que se deixam garrotear, ou melhor, que se garroteiam a si mesmos, pois bastaria apenas que eles se recusassem a servir, para que os seus grilhões fossem rompidos”.
No entanto – coisa pasmosa e inacreditável! –, é o próprio povo que, podendo escolher entre ser escravo ou ser livre, rejeita a liberdade e toma sobre si o jugo. “Se para possuir a liberdade basta desejá-la, se é suficiente para tanto unicamente o querer, encontrar-se-á uma nação no mundo que acredite ser difícil adquirir a liberdade, pela simples manifestação desse desejo?”
O que La Boëtie certamente não podia imaginar é que, durante os primeiros séculos do Brasil colonial, foi muito difundida a prática da servidão voluntária de indígenas maiores de 21 anos. Encontrando-se eles em situação de extrema necessidade, a legislação portuguesa da época permitia que se vendessem a si mesmos, celebrando um contrato de escravidão perante um notário público.
De qual quer modo, prossegue o nosso autor, a aspiração a uma vida feliz, que existe em todo coração humano, faz com que as pessoas, em geral, desejem obter todos os bens capazes de lhes propiciar esse resultado. Há um só desses bens que elas, não se sabe por quê, não chegam nem mesmo a desejar: é a liberdade. Será que isto ocorre tão-só porque ela pode ser facilmente obtida?
Afinal, de onde o governante, em todos os paises, tira a força necessária para manter os súditos em estado de permanente servidão? Deles próprios, responde La Boëtie.
“De onde provêm os incontáveis espiões que vos seguem, senão do vosso próprio meio? De que maneira dispõe ele [o tirano] de tantas mãos para vos espancar, se não as toma emprestadas a vós mesmos? E os pés que esmagam as vossas cidades, não são vossos? Tem ele, enfim, algum poder sobre vós, senão por vosso próprio intermédio?”
A conclusão é lógica: para derrubar os tiranos, os povos não precisam guerreá-los. “Tomai a decisão de não mais servir, e sereis livres”. Aí está, avant la lettre, toda a teoria da desobediência civil, que veio a ser desenvolvida muito depois que aquelas linhas foram escritas.
É de completa evidência, prossegue o autor, que somos todos igualmente livres, pela nossa própria natureza; e que o liame que sujeita uns à dominação dos outros é algo de puramente artificial. Mas então, como explicar que esse artifício seja considerado normal e a igualdade entre os homens não exista praticamente em lugar nenhum?
Para explicar esse absurdo da servidão voluntária, La Boëtie aponta algumas causas: o costume tradicional, a degradação programada da vida coletiva, a mistificação do poder, o interesse.
Foi por força do hábito, diz ele, que desde tempos imemoriais os homens contraíram o vício de viver como servos dos governantes. E esse vício foi, ao depois, apresentado como lei divina.
É também verdade que alguns governantes decidiram tornar mais amena a condição de escravo, imposta aos súditos, criando um sistema oficial de prazeres públicos; como, por exemplo, os espetáculos de “pão e circo”, organizados pelos imperadores romanos.
Outro fator a concorrer para o mesmo efeito foi o ritual mistificador que os poderosos sempre mantiveram em torno de suas pessoas, oferecidas à devoção popular. O grotesco ditador Kadafi, com seus trejeitos de mau ator de opereta, nada mais fez do que reproduzir, mediocremente, vários tiranos do passado. “Antes de cometerem os seus crimes, mesmo os mais revoltantes”, lembrou La Boëtie, “eles os fazem preceder de belos discursos sobre o bem geral, a ordem pública e o consolo a ser dado aos infelizes”.
Por fim, a última causa geradora do regime de servidão voluntária, aquela que La Boëtie considera “o segredo e a mola mestra da dominação, o apoio e fundamento de toda tirania”, é a rede de interesses pessoais, formada entre os serviçais do regime. Em degraus descendentes, a partir do tirano, são corrompidas camadas cada vez mais extensas de agentes da dominação, mediante o atrativo da riqueza e das vantagens materiais.
No Egito de Mubarak, por exemplo, oficiais graduados das forças armadas ocupavam cargos de direção, muito bem remunerados, nas principais empresas do país, privadas ou públicas. Algo não muito diverso ocorreu entre nós durante o vintenário regime militar, com a tácita aprovação dos meios de comunicação de massa, a serviço do poder econômico capitalista.
Pois bem, se voltarmos agora os olhos para este “florão da América”, veremos um espetáculo bem diverso daquele que nos fascina, hoje, no Oriente Médio. Aqui, o povo não tem a menor consciência de ser explorado e consumido. As nossas classes dirigentes, perfeitamente instruídas na escola do capitalismo, nunca mostram suas fuças na televisão. Deixam essa tarefa para seus aliados no mundo político. Elas são anônimas, como a sociedade por ações. E o jugo que exercem é insinuante e atraente como um anúncio publicitário.
Por estas bandas o povão vive tranquilo e feliz, na podridão e na miséria."
(http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/comparato-a-servidao-voluntaria.html)