O VELHO CHALÉ DE JOSÉ DE FREITAS (CONCLUSÃO)
Por Elmar Carvalho Em: 22/05/2012, às 03H26
ELMAR CARVALHO
Algumas vezes íamos até o cimo do morro, onde ficava o Cristo Redentor, hoje infestado de antenas, que lhe empanam a beleza; outras vezes, nos dirigíamos até a madona, ou N. S. do Livramento, a segurar o menino Jesus, bela obra do escultor Murilo Couto, que projetou a belíssima Praça Landri Sales, em Teresina, e esculpiu outras estátuas. Não sabia que o morro tinha nome. Parece que hoje o denominam de Morro do Fidié. Prefiro chamá-lo de Morro do Livramento, numa evocação ao nome antigo da cidade e em memória das lutas libertárias dos piauienses.
Nas proximidades do chalé, ficava a casa do falecido senhor Firmo. Não sei o fundo de verdade na história que se contava, mas ouvira falar que esse homem cometera uma façanha um tanto homérica, e portanto digna de ser narrada. Segundo essa versão tradicional, ele assumira um compromisso com a Casa Almendra de lhe entregar, certo dia, algumas sacas de produtos agrícolas. Morava esse homem numa localidade distante, não me recordo se em Nova Olinda. Acordou cedo, ainda noite escura, e foi à procura dos jegues para cumprir o trato. Por algum capricho desses caprichosos animais, Firmo não os encontrou no pasto, onde eles costumavam pernoitar.
Tendo esse rurícola muito orgulho em cumprir suas promessas, e sendo um homem novo e robusto na época, não teve dúvida: pegava uma das sacas e levava até um ponto distante, depois retornava para pegar as outras; desse ponto, as pegava, uma por uma, e as conduzia até outro local mais adiante, até, enfim, deixá-las na porta da Casa Almendra, ainda cedo da manhã. Diz a lenda que o coronel José de Freitas, ao ver o caboclo, o cumprimentou, e, observador, perguntou pelos animais que haviam conduzido os produtos.
Firmo contou-lhe o feito epopeico, que causou assombro ao rico comerciante. A partir de então, José de Freitas passou a ajudar Firmo, que veio a se tornar um homem considerado próspero, ou mesmo rico pelos parâmetros da época. Não sei, repito, até onde vai a verdade, e onde começa a lenda. Sei que é a história de um homem rico que respeitou um caboclo de fibra e de honra; de honra porque honrava a palavra empenhada, e por conseguinte honrava-se a si mesmo.
Aos 14 anos de idade, em José de Freitas, por gostar de literatura, cultura e história, eu imaginava que o chalé deveria ser transformado em museu. Tempos mais tarde, em poema datado de 26.08.1991, louvei a magia e o encantamento desses meus felizes anos josé-de-freitenses. Eu era fiscal da extinta SUNAB e nela, nessa data, trabalhavam, como funcionários cedidos ou à disposição da autarquia, os primos, ambos nascidos na velha Livramento, Francisco Costa e Francisco da Costa e Silva Sobrinho, o primeiro como fiscal, vez que ele era fiscal do estado, e o segundo, como titular da Delegacia da SUNAB no Piauí. Anunciei-lhes o poema, e entusiasmado, ainda jovem, li de forma retumbante essa ode à bela terra, onde fui tão feliz. Francisco Costa, radialista e um dos maiores conhecedores e cultores da Jovem Guarda, me havia dito, nesses tempos sunabianos, e confirmou-me isso recentemente, que se recorda de mim a jogar bola, como goleiro, em sua cidade, e a defender, com fervor, os meus pontos de vista.
Quando recebi o título de Cidadão de José de Freitas, por proposição do vereador José de Araújo Chaves Neto, o Bacharel, mandei confeccionar um banner com esse poema e o doei, devidamente emoldurado, à Câmara de Vereadores. Encaminhei um outro banner ao prefeito da época, mas não sei se foi afixado em algum lugar. Sei que o meu amigo Lirton Nogueira Santos, magistrado e historiador, ornou o átrio do fórum com um quadro desse texto poético, que também se encontra na Fazenda Ininga, recentemente adquirida pelo professor e teatrólogo Paulo Libório, localizada nas cercanias da cidade, e que aos poucos está sendo transformada em espaço cultural e museu. Nessa vetusta fazenda nasceram o empreendedor e engenheiro Antônio José Sampaio, fundador da legendária fábrica de laticínios de Campos, hoje Campinas do Piauí, e o padre Sampaio, que teria sido confessor da princesa Isabel. O imponente prédio da indústria ainda existe, embora quase em ruínas.
Em belo texto publicado no Portal do Sertão, o cantor e humorista João Cláudio Moreno elogiou a restauração do velho chalé, que me causava admiração, fascínio e um quase medo em minha já distante meninice. Soube que será uma escola. Em meu gosto pessoal, preferiria que fosse transformado em museu e espaço cultural, que bem poderiam servir para atividades extracurriculares, além de atração de turistas e promoção de eventos culturais, e mesmo podendo conter biblioteca e videoteca. De qualquer modo, fica lançada essa ideia e essa possibilidade. Sem dúvida, foi uma grande obra a restauração da Vila do Tejo, o velho chalé, que me despertava a imaginação em minha meninice.