O tradutor e o estilo
Por Bráulio Tavares Em: 17/09/2012, às 06H51
[Bráulio Tavares]
(Sarolta Ban)
Uma obra literária consta basicamente de enredo e estilo. A história que é contada e as palavras escolhidas para contar essa história. (Sim, sei que tem muito mais coisas, mas bora em frente.) Tem gente boa de enredo e que escreve apenas mais-ou-menos, e tem gente que escreve super bem mas só imagina histórias banais. A grande e a pequena literatura estão cheias de exemplos.
Essa divisão de tarefas mentais explica, parcialmente, a existência de grandes tradutores. Tem gente que diz que o tradutor é um escritor frustrado. Não vejo bem assim. Há mil influências pessoais e variáveis de vida que conduzem um indivíduo a essa profissão quase mediúnica, mas eu diria que muitos tradutores são pessoas que são refinadas em estilo mas não têm (ou não tentam ter) capacidade fabulatória, capacidade para inventar histórias, imaginar personagens a partir do zero, produzir peripécias. Escritores assim muitas vezes tornam-se tradutores, porque na tradução é proibido mexer no enredo, mas é preciso saber reproduzir inúmeros estilos.
O que é traduzir? É escrever um livro que já está escrito, só que escrevê-lo em português. O livro está lá, prontinho da silva, em russo, alemão ou espanhol. O tradutor não pode cortar cenas nem adicionar cenas. Não pode mudar o desfecho. Não pode reduzir uma descrição demasiado longa, mesmo que não goste dela. Não pode alterar um diálogo. Por outro lado, toda essa lista do “não pode” pode ser revertida, positivamente, para um “não precisa”: ele não precisa fazer nada disso, porque já está feito, o autor russo ou alemão já se deu o trabalho de arrancar tudo a fórceps do próprio cérebro, e entregou a história finalizada para que ele, o tradutor, faça o que mais gosta: tecer sua prosa como uma aranha tece sua teia. E acreditem, amigos, existem poucos prazeres superiores ao de tecer mentalmente uma frase inteira e colocá-la no papel antes que o vento (ou a campainha do telefone) a leve embora.