O tempo presente
Por Bráulio Tavares Em: 22/07/2013, às 06H52
[Bráulio Tavares]
Numa palestra da Flip 2013, mediada por Noemi Jaffe, Daniel Galera e Jerôme Ferrari falaram, entre muitas outras coisas, da relação de seus personagens com o tempo. O livro de Galera, Barba ensopada de sangue (2012), fala de um rapaz que vai morar num balneário e aproveita para pesquisar a vida de seu avô, sobre o qual sabe pouca coisa. O de Jerôme, Sermão sobre a queda de Roma (2012) fala de dois amigos que se afastam de Paris e montam um bar na Córsega, onde pretendem viver mais ou menos ao abrigo de grandes agitações e grandes mudanças.
Galera comentou a certa altura o quanto é difícil viver no presente. Na maior parte do tempo estamos preocupados com o futuro ou então estamos remexendo na memória, no passado. Jerôme observou que o projeto do bar na Córsega serve para seus personagens como a tentativa de produzir um futuro que seja a infindável repetição do presente. Uma tentativa de congelar o tempo.
O presente é feito de partes iguais de passado e futuro. É um entrelaçamento de memória e vontade, a memória checando o que ficou para trás e a vontade nos obrigando a avaliar o tempo inteiro o que nos pode suceder mais à frente.
O romance moderno superou a antiga construção cronológica tipo passado-presente-futuro, onde os fatos pareciam seguir uma sucessão numérica. No romance atual, os tempos estão todos superpostos, mesmo quando há um fio de enredo nos tranquilizando com a sugestão de uma estrutura tipo começo-meio-fim. Um romance como Os Detetives Selvagens (1998) de Roberto Bolaño avança a passos trôpegos, porque a cada página as informações sobre o passado se multiplicam; na verdade, é rumo ao passado que avançam as investigações sobre os dois poetas que são os personagens principais.
A incapacidade de viver no presente, observada por Daniel Galera, é aparentemente anulada nos romances narrados no presente do indicativo. Essa narrativa aqui-e-agora, que lembra a imediaticidade de um filme ou de um videogame, procura chamar a atenção para esse espaço instável onde memória e vontade travam um cabo-de-guerra incessante. Viver num “eterno presente” exprime o desejo de cancelar a morte mas por outro lado impede de ajustar contas com o tempo. O presente é feito de passado e futuro assim como o café-com-leite é feito de leite e café. A cada momento mudam as proporções de cada um, mas estão sempre ali, são a substância mental da nossa experiência. O romance de hoje percebe isso e busca a expressão desse tempo híbrido em que cada trecho do presente parece estar se estendendo rumo às duas outras direções, como uma corda de violão que só vibra no centro porque está presa nas duas extremidades.