O amigo, com quem me encontrei após anos sem nos vermos, perguntou-me: que tens feito durante todo esse tempo que te deixou tão bem? Envaidecido, respondi: ao longo desses dias, venho trabalhando e me divertindo bastante, lendo e escrevendo às pampas; constituí uma família que não me dá trabalho e, ainda me sobram muitas horas do dia para tocar outras tarefas singulares. Puxa, teu dia parece ser maior do que o meu, que não dá para nada, ponderou. Não quis enveredar por esse caminho, uma vez que penso e entendo que cada um vê seu tempo de modo muito particular; preferi dizer a meu velho “chapa” que talvez ele estivesse priorizando ou relevando coisas e fatos outros ou de modo diferente do meu. E seguimos conversando, matando saudades, falando amenidades e relembrando momentos de que eu ou ele já nos havíamos esquecido e que, graças a esse inusitado encontro, reavivaram-se em nossas memórias. Foi uma tarde agradável.
     Quando fiquei sozinho e tentei fazer uma retrospectiva do que conversara com o colega de outrora, percebi que havia muito tempo não falava de modo tão extrovertido verdades que eu defendia como tal.
Certas pessoas e, nesse cenário também me incluo, às vezes, perdem seu precioso tempo lamuriando perdas inevitáveis ou sobre fatos irreversíveis. Quando se dão conta, envelheceram, mais que cronológica, existencialmente. Sofrem e choram, não raro, desnecessariamente, eis que as dores que os levaram a tanto sofrimento, uma vez expostas ao conhecimento dos demais, não parecem dignas – e aí, nesse momento, geralmente, elas também concordam com essa observação– de fazê-las derramar tantas lágrimas.
     Quem nunca viu, ouviu ou soube de pessoas que se negam a dividir ou a comunicar o sofrimento que sentem, com os amigos, ou porque se envergonham de expor-lhes sua condição, ou porque decidem julgar-se culpadas de estarem acometidas de um mal, do qual dar conhecimento aos outros poderia ser entendido como uma espécie de fraqueza? Como se as doenças que nos afligem dependessem sempre de um descuido ou de um desleixo de nossa parte. A propósito, conheço – e muitos de vocês, certamente, também - indivíduos que se tornam irascíveis ou raivosos, quando lhes perguntamos a respeito de seu estado de saúde ou de sua família. Talvez nos tomem por enxeridos ou curiosos; não imaginam ou não admitem que, não raro, podemos e queremos tão somente ajudar. Esquecem-se de que, um dia, poderemos ser nós as vítimas das situações por que, ora, estão passando e que, possivelmente, iremos lhes pedir socorro. Será que eles nos atenderão, ou, pelo fato de não terem pedido ou não aceitado nosso auxílio quando precisavam, deixar-nos-ão na mão?
     Quem descarta a preocupação sincera, desprendida e graciosa dos amigos ou das pessoas que lhe têm apreço ou afeto, perde a oportunidade de receber, daqueles, carinho, afago, consideração. Em decorrência de seu egoísmo, pagam, às vezes, um preço bastante elevado para viverem a própria vida, com uma falsa sensação de independência. É comum, porém, quando essas criaturas demonstram ou parecem estar felizes ou bem resolvidas e nós não as importunamos nem demonstramos nossa comunhão com elas quanto a esses sentimentos, deixamo-las sozinhas para viverem tranquilamente seus bons momentos, sermos considerados insensíveis, invejosos, incapazes, mesmo, de aceitar a felicidade alheia.
     Há dias em que ao passarmos diante de um espelho ficamos tristes, pois notamos que o tempo nos alcançou, uma vez que o que vemos refletido não é a mesma silhueta que enxergamos sem o auxílio do reflexo. Esse tipo de preocupação nos assola, geralmente, quando estamos vivendo momentos infelizes. Em contrapartida, o oposto também acontece: nossa imagem refletida no espelho parecer muito melhor do que a que deveria condizer com a de alguém com tanto tempo de vida nos costados. É que a felicidade muda e transforma nosso modo de encarar o tempo e a vida.
     Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected])