O sopro do nada
Por Rogel Samuel Em: 04/09/2008, às 03H20
O soneto parece uma carta, responde a um jovem. Posso? - pergunta ele. Não, não pode. Só um deus o pode. O homem não acompanha a um deus na lira. Não se pode acompanhar a lira
de Apolo. Que se passa no coração de um deus? Seu canto é alento, vem do nada. É vento
porque vida, cantar é existir. Para o deus tudo é possível, não para nós. O assunto
do canto não é o que amas. O que amas passa, é momentâneo. O tema do canto é o eterno,
o que está sempre lá, só deus o pode, nós não conseguimos acompanhar Rainer Maria Rilke.
Um deus o pode. Mas, dize-me, poderia um
homem acompanhá-lo na lira encantada?
Sua mente é discórdia e nas encruzilhadas
do coração Apolo não tem templo algum.
O canto, como o ensinas, não é o querer
nem busca do que querer que seja de atingível.
Cantar é existir. para o deus, tudo é factível.
Mas nós, quando é que somos? Quando ao nosso ser
dará ele de volta a terra e as estrelas?
Não é o que amas, jovem, mesmo que forçasse
a voz em tua boca. Aprende a esquecê-las,
tais canções. Elas passam, frutos do momento.
O canto em verdade de outro sopro faz-se.
Um sopro de nada. Um alento em Deus. Um vento.
(Trad. José Carlos Paes)