Cunha e Silva Filho

 

                             Somos um pais dividido no qual as classes sociais, consciente ou inconscientemente, têm seus padrões de comportamento e de visões múltiplas para o bem ou para o mal. Aí talvez resida algum perigo sempre que os brasileiros são convocados para as manifestações contra o establisment vigente.Quer dizer, não há nunca uma unidade sólida congregando a todos indistintamente.
                            

                           Quem está no alto da pirâmide, não participa das manifestações que ocorrem, desejosas de mudanças. Quem está no nível de classe média pode reprovar o que vê de errado nas instituições governamentais, mas não deseja se expor. 
                          

                          Talvez, seus filhos, por influência da educação que recebem na escola, não acompanhem os pais já acomodados em sua vidinha sem grandes sonhos, a não ser aqueles que provêm do atrativo consumismo, de seus almoços de fins de semana, de seus carros comprados a prestação, de suas viagens à Disnneylândia, dos seus churrascos em casa, de suas conversas recheadas de futilidades, de suas conquistas amorosas, suas traições, seu bovarismo, suas mesquinharias, seu individualismo bastardo, seu fanatismo futebolístico, sua escola de samba, seu jogo de bicho, suas fofocas sobre marcas de produtos (tênis, roupas, modas, perfumes, salões de beleza, revistas de celebridades etc, etc) que compram com sacrifícios e de suas pretensões miméticas de aparentarem pertencer à burguesia endinheirada e vazia de ideais de transformações sociais.” Classe mérdea,” diria com sarcasmo o grande contista João Antônio (1937-1996).
                        

                          Os milionários estão pouco se lixando para qualquer coisa ou para as questões sociais ou de mudanças de melhoria do povo em geral. Seus bens estão sólidos, seu dinheiro está bem guardado nos paraísos fiscais.  Em qualquer grande reviravolta que suceder no país, eles estarão prontos para fazer as malas e embarcar para o exterior, deixando para trás as agruras e os sofrimentos do povão que não está nos seus planos, destituídos eles em geral de solidariedade e de cumplicidade. A elite está acima do bem e do mal. O que lhe interessa é manter-se onde está com o poder e a força advindos dos lucros do capitalismo globalizado. Seu ambiente social é outro, pois se faz de festas, de jóias, de viagens e de luxo. 

                       O povão,  a massa ignara,  a  turba, a patuleia continua a lutar  apenas pela sobrevivência,  vivendo no  imediatismo,das sobras das outras classes mais aquinhoadas,  sem  leitura,  sem estudos, sem nada.                       

                      Enquanto isso, o país se afunda na corrupção que parece uma “causa pétrea.” O clamor das manifestações nas ruas, por menor que tenha sido, pelo menos serviu para mostrar que o povo - a massa, a multidão -  não está mais disposta a sofrer diante de tantos descalabros da superestrutura. Há um limite de desespero e de insatisfação além do qual tudo pode acontecer. O cinismo deslavado dos políticos, que ainda teimam em exibir uma postura impassível e pretensiosa diante do gritos das ruas, já começa a dar sinais de que alguma mudança considerável terá que ser efetuada. Do contrário, os ânimos populares se acirrarão ainda mais, podendo resultar numa situação de desordem e de anarquia e, dessa forma, produzi outros efeitos inimagináveis no centro do poder. 
                      

                   Nossa democracia está em perigo. Se o sistema político brasileiro persistir na sua prepotência e na certeza de impunidade de seus erros contabilizados ao longo de tantos anos de desprezo aos reclamos da sociedade civil, nas próximas eleições o povo alijará do poder parte significativa de nosso representantes na Câmara dos Deputados e no Senado. 
                    

                   A Presidente Dilma, diante dos últimos acontecimentos, tendo já sofrido uma queda vertiginosa de aceitação do povo, dificilmente conseguirá se reeleger. Se nos meses que lhe restam de mandato não lograr dar uma guinada de substanciais alterações no seu governo que se traduzam em melhoria concreta e a curto prazo em muitos setores do governo, sua candidatura terá insucesso. E o pior é que não se vislumbram outras alternativas de políticos que possam preencher tantos anseios de melhoria há longo tempo acalentados no tocante a setores vitais para um país que aspira a ter aprimoradas sua segurança, saúde, educação pública, sobretudo do ensino fundamental e médio, sua habitação para as classes menos favorecidas e outros setores da vida social.
                  

                 O sentido das manifestações nas ruas do Brasil está claramente direcionado para todas essas carências e distorções perfeitamente identificadas pelo  povo. O governo federal, no conjunto de todos os seus três poderes, já tem o recado. Só lhe cabe, agora, apressar-se em dar pronta e imediata solução às grandes causas de nossas misérias e injustiças gritantes. Enfim, só há duas saídas para os que estão no poder atual: a possiblidade  de contribuir para a conquista da cidadania ou o caos social.