Maria do Rosário Pedreira
 
Falei de raspão neste livro que ando agora a ler quando me referi ao número de títulos recentes que se prendiam com a figura da mãe, muitas vezes em tom de luto e saudade. Mas, na verdade, Em Tudo Havia Beleza, de Manuel Vilas, sendo um livro sobre a orfandade, é muito mais uma homenagem ao pai, o verdadeiro herói do narrador, do que à mãe; fui induzida em erro por ter conhecido o seu autor como poeta em Cartagena das Índias e tê-lo ouvido dizer um lindo poema sobre a ausência da mãe que consta também das últimas páginas deste livro. Mas o pai aqui é o Bach dos pais, enquanto a mãe, com o seu terrível feitio, é «só» a Wagner (o autor gosta de música e atribui nomes de compositores aos seus familiares). Intitulado originalmente Ordesa (um monte aonde o autor ia passear com o pai em pequeno), este livro de memórias e desabafos é talvez das coisas mais ressentidas e magoadas que li até hoje, porque, por um lado, perder pai e mãe é uma solidão indizível, sobretudo para quem não se sente amado por ninguém (incluindo os filhos); e, por outro lado, está sempre presente a raiva imensa de um membro de uma família pobre que queria melhor para os seus pais e se zanga muito com quem teve tudo de mão beijada, como, é só um exemplo, os monarcas espanhóis. Confesso que esperava uma coisa um nadinha diferente, menos rebarbativa, mas este foi considerado livro do ano por muitas publicações espanholas diferentes e de diferentes quadrantes, o que quer dizer que deve ser lido por toda a gente.