[Maria do Rosário Pedreira]

Hoje é dia de dizer o que ando a ler. Pois bem, a Assírio & Alvim está a reeditar toda a obra de Almeida Faria. O seu primeiro romance, publicado em 1962, quando o autor tinha apenas 19 anos, acaba, de resto, de sair. Rumor Branco, tão diferente de tudo o que fora escrito até à data (e ainda hoje moderno), foi uma espécie de bomba nas letras nacionais, pouco habituadas às transgressões gramaticais (ausências de pontuação, minúsculas a seguir a pontos finais...) e a certos «maneirismos» (foi assim que alguns críticos lhes chamaram) que faziam pouco caso de uma história no sentido tradicional e impunham, em vez dela, fragmentos com um protagonista (Daniel João), nos quais não eram raras as rimas internas, as palavras cruas que na altura deviam soar ofensivas, certas ideias claramente anti-regime e muita, muita filosofia. E, por se tratar de uma escrita nova, novíssima, alguns intelectuais acolheram-na muito positivamente, noutros provocando, pelo contrário, irritação maior. O leitor tem a liberdade de fazer o seu próprio julgamento (o livro foi reeditado para ser lido ou relido, evidentemente), mas não deve perder, além do texto, a polémica que nasceu entre um seu defensor, Vergílio Ferreira (que assinou o prefácio à 1.ª edição) e Pinheiro Torres, o crítico que tentou, de algum modo, apequenar a obra, virando-se não contra o autor (a quem até reconheceu talento), mas contra o escritor que a apadrinhara (esta troca de galhardetes consta do volume agora editado). E nem interessa assim tanto saber se ganha o «existencialista» ou o «neo-realista», porque são absolutamente notáveis os textos de um e de outro, magnificamente cultos e escritos com perfeição, cheios de maldade ilustrada e recadinhos muito bem investigados, tudo coisas difíceis de encontrar nos tempos que correm, em que, salvaguardadas as excepções, as polémicas são mais pequeninas, mais mesquinhas e mais mal escritas. A ler de ponta a ponta, claro.