O propósito da literatura
Em: 31/08/2014, às 05H50
São muitos os autores e poucos os leitores com, simultaneamente, recursos para compra e vontade de ler. Muitos adolescentes leem ficção adulta para, mais que tudo, se tornarem escritores um dia. Por tal, tornam-se leitores menos encantados e, por vezes, desmistificadores da arte de escrever. A literatura, desse modo, pode perder o bom leitor sem ganhar um escritor interessante. Pensei, com meus botões e às escondidas, que os escritores bem sucedidos, ou seja, lidos, deixam com o passar da vida de gostar de ler os outros; leem só a si e muito vaidosamente.
Existem ao menos quatro “ficções” possíveis no mundo da literatura; cada qual relacionada a uma etapa de vida do leitor: infância, juventude, idade adulta e velhice.
A criança, ávida de saber tudo e logo produzir alguma interpretação, vê o mundo comum como algo já em si mágico e perigoso; daí deliciar-se com fantásticas e simultaneamente familiares – por representarem figuras da sua vida cotidiana - bruxas, poções mágicas, monstros bons, outros maus, príncipes, fantasias alucinantes, princesas atrapalhadas, reis confusos e rainhas más.
Em seguida, está a ficção dos jovens. Essa é a evolução do mundo infantil; mas agora em direção às possibilidades de intervenção pessoal do herói ou da heroína em meio e contra as opressões.
O adulto aprecia, parece, o desmascaramento das mentes e das intenções dos personagens; delicia-se com as perversões, com o fantástico em que os personagens comuns se envolvem e com as vidas inventadas, cheias de engodos, praticados contra os outros, ou sofridos. O prazer da leitura se dá no momento em que o adulto percebe a si mesmo, sua luz e sua sombra, no enredo.
O velho quer a ficção total, a poesia, a qual depende da pós-maturidade para se entender e ter-se dela proveito inteiro.
Quero dizer, por trás de tudo isso, que o leitor deveras importa. É no leitor que se completa o fato social da arte literária e sem ele não há mercado e não haverá nem mesmo acadêmicos de literatura, críticos e, por certo, autores profissionais. Ele quer ler o que lhe seja útil em compasso com seu momento de descobertas, com a sua construção de personalidade, com a busca de protagonismo, frustações, e com seu entendimento, a cada tempo, do mundo.
Cabe à indústria literária atender com produtos de qualidade às variações entre os leitores. Impõe-se aos educadores a reflexão sobre o que possa haver de fundamentalmente errado na obrigatoriedade de obras de ficção adulta para a leitura de adolescentes. Isso pode matar a maioria dos leitores do futuro, ainda que possa garantir bons e poucos escritores.
Concluo que o livro não deva ser uma oportunidade para o autor celebrar-se nas suas descobertas e mostrar-se. O mais importante é a generosidade do compartilhamento, ou seja, o valor social de os leitores se descobrirem a cada tempo de suas vidas.