O  professor Wilson de Andrade Brandão e a importância de sua geração para a cultura piauiense

 

[ *Wílson Nunes Brandão]

 

WILSON DE ANDRADE BRANDÃO nasceu em Pedro II, na fazenda Concórdia, a 14 de outubro de 1922, sendo um dos nove filhos do casal Álvaro Brandão e Maria Amélia de Andrade Brandão. Casou-se a 10 de maio de 1958 com a professora de língua francesa Maria de Lourdes Leal Nunes de Andrade Brandão, com quem teve três filhos: Lourdes Amélia Brandão Nunes, arquiteta; Wilson Nunes Brandão, engenheiro eletricista, bacharel em direito e em história, e deputado estadual por nove legislaturas, e Luciano Nunes Brandão, advogado. Passou parte de sua infância entre Pedro II e Piripiri, onde realizou seus estudos no Colégio Padre Freitas, tendo sua mãe como preceptora de suas primeiras letras.

Ainda jovem, veio para Teresina, onde concluiu o ensino fundamental e médio. Tendo o pai envolvido com os negócios de fazendas de gado e pó da carnaúba, não pode receber o apoio e a presença dos seus genitores na capital, tão necessários para um adolescente que pretendia estudar, conquistar uma formatura universitária e se tornar um profissional de referência. Em Teresina, residiu em “repúblicas”, formada por estudantes também egressos do interior, dentre elas, uma das mais famosas, a “RUI” - República Unida dos Inocentes”, local onde conviveu com jovens que futuramente seriam alçados a grandes posições na nossa sociedade.

Estudou no Colégio Estadual Zacarias de Góis, o Liceu Piauiense, onde posteriormente, ainda muito jovem, já estava assumindo, mediante concurso público, a cátedra de língua francesa e, mais tarde, diretor desse estabelecimento de ensino. Foi o início de uma exuberante carreira no magistério piauiense. No preparo para a busca da formação humanística que estava arraigada em sua mente e nos seus ideais de vida, prestou vestibular para o curso de Direito na Faculdade de Direto do Piauí, conhecida como “A VELHA SALAMANCA”, concluindo seu curso em dezembro de 1946. Enquanto acumulava os ensinamentos do direito, lecionava também, além do Liceu Piauiense, em escolas públicas e particulares, especialmente na Escola Normal Antonino Freire e nos colégios Leão XIII e Demóstenes Avelino.

Foi nesse entremeio de faculdade e magistério que Wilson Brandão se aproximou e fez parte da famosa geração 45, participando ativamente dos calorosos debates sobre filosofia, sociologia, história e do direito. É importante consignar que foram estes intelectuais que movimentaram como “agitadores culturais”, a pacata sociedade teresinense, reunidos tradicionalmente em pequenos núcleos na Praça Pedro II e na Praça Rio Branco, ao final das tardes e noites, além dos encontros no Clube dos Diários. Wilson de Andrade Brandão, Manoel Paulo Nunes, Celso Barros Coelho, Raimundo Nonato Monteiro de Santana, Clemente Fortes, José Camillo da Silveira Filho, Petrônio Portella, Arimateia Tito Filho, Clidenor de Freitas Santos, dentre tantos, foram protagonistas desse momento de muita efervescência no ambiente cultural de Teresina.

Em razão de sua formação humanística, era um entusiasmado pelos ideais da Revolução Francesa, que foi construída por uma doutrina filosófica bem elaborada pelos iluministas, no famoso Século das Luzes, na defesa intransigente da justiça social, das liberdades individuais e da democracia. Foi um leitor assíduo dos grandes vultos do Renascimento, dos grandes filósofos e dos liberais que em séculos distantes já propugnavam ideias e convicções que viriam, no futuro, a dominar o conceito de sociedade moderna. Leu intensamente Adam Smith, Diderot, Jean-Jacques Rousseau, Voltaire, Montesquieu, dentre tantos outros.

No amadurecimento da vida, Wilson Brandão passou a escrever livros, muitos deles, verdadeiras obras de referência no direito brasileiro. Podemos citar, “Direito, Liberdade e Contrato no Direito do Trabalho” (1952), “Lesão e Contrato no Direito Brasileiro”(1964), “Doutrina e Prática da Lei do Despejo”(1966), Divórcio e Separação Judicial (1973) e Locações de Imóveis Urbanos, (1995).

Tão logo concluiu o curso de Direito, passou a exercer também a elevada atividade advocatícia, sendo, com o passar da vida, um dos mais requisitados advogados da região, defendendo causas em todo o Piauí, Maranhão e Ceará. Mas a sua vocação era o magistério. Foi assim, que no início da década de 50, foi aprovado em concurso público para exercer a honrosa cadeira de Direito Civil da Faculdade Federal de Direito do Piauí, tendo sido nomeado, posteriormente, pelo presidente João Goulart, para o cargo de Diretor da Faculdade. Também foi professor da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí, criada por iniciativa de Dom Avelar Brandão Vilela, à época, arcebispo de Teresina.

Mas a inquietude do Mestre Wilson não parou por aí. Ele também enveredou pelos caminhos da história do Piauí, e após minuciosas pesquisas em fontes primárias, principalmente na Casa Anísio Brito, nosso Arquivo Público Estadual, escreveu dois livros referenciados pela crítica, como valorosas contribuições para nossa história, quais sejam, “História da Independência no Piauí” (1973) e “História do Poder Legislativo na Província do Piauí” (1997).

Apesar do seu espírito pacífico, calmo, um tanto introvertido e tímido e de poucas palavras, foi também um vitorioso na atividade política. Foi eleito deputado estadual por seis legislaturas, sendo a primeira em 1966 e a última em 1986, encerrando sua carreira política ao final desse mandato, em janeiro de 1991. Nesse ínterim, teve a oportunidade por duas vezes de exercer as elevadas funções de Secretário de Estado da Cultura. No primeiro governo Alberto Silva, foi convidado para instalar a secretaria recém-criada, e posteriormente, no governo Lucídio Portella.

Foi marcante sua passagem por esse órgão. Pela primeira vez em nosso estado, foi despertado o espírito de preservação de nossos prédios históricos, do período colonial e imperial. Assim foram restauradas em Oeiras, a igreja matriz de Nossa Senhora da Vitória, a casa do Major Selemérito e a Casa da Pólvora, iniciando um processo que se tornou obrigatório e irreversível de preservação nas cidades históricas de nosso estado. Criou o Salão de Humor do Piauí, cujo evento ficou nacionalmente conhecido pelo alto nível dos trabalhos e dos artistas participantes.

Elaborou um minucioso plano editorial que contemplou a edição e reedição de muitos livros de autores piauienses, como também lançou a revista PRESENÇA, considerada a mais conceituada publicação literária do Piauí, onde podemos encontrar trabalhos dos mais diferentes temas, escritos por intelectuais do nosso estado. Com toda sua capacidade intelectual e com uma atuação proativa no âmbito das ações culturais do estado, levaram Wilson Brandão à conquista de uma cadeira efetiva na Academia Piauiense de Letras, em 1967, instituição que veio a presidir na década de 90, sendo um prêmio à sua história de homem das letras.

Quando resolveu ingressar na política, o Brasil vivia sob a égide de um regime militar ditatorial, prevalecendo uma política onde as ideais à frente daquele tempo eram consideradas comunistas. Os discursos eram monitorados, as bibliotecas particulares eram revistadas para saber se existiam livros com teses de esquerda, a legislação partidária foi limitada ao bi-partidarismo, os atos institucionais editados pelo presidente da república, especialmente o famoso AI-5, cassou mandatos de parlamentares Brasil afora, evidenciando a insignificância e a primariedade ideológica dos militares que comandavam o país, com mandatos de presidentes referendados pelo Congresso Nacional, sem participação popular. Foi nesse clima que o então deputado Wilson Brandão vivenciou sua participação na política estadual, como um parlamentar sempre presente em suas bases eleitorais, empunhando a bandeira da educação de qualidade e participando dos debates no plenário da Assembleia Legislativa, mesmo sabendo dos riscos que poderia correr quando pronunciava um discurso que não agradava aos ouvidos dos militares.

Foi nessa fase complicada da vida política brasileira que a própria Assembleia cassou os mandatos dos deputados Celso Barros Coelho, José Alexandre Caldas Rodrigues e Themístocles de Sampaio Pereira, e por ato do Presidente da República, através do AI-5, cassou o mandato Deputado Federal Francisco das Chagas Caldas Rodrigues e do Deputado Estadual Alfredo Alberto Leal Nunes. Foi um período pobre de debates no parlamento, amordaçado pela ditadura militar, que tolheu a inteligência de uma geração considerada por Manoel Paulo Nunes, de “geração perdida”, fazendo uma alusão à “geração perdida” popularizada por Ernest Hemingway.

Durante sua jornada ao longo de 24 anos como parlamentar, foi Deputado Constituinte por duas oportunidades, atuando ativamente na elaboração da Constituição de 1967 e na carta constitucional de 1989, quando comandou comissões temáticas nos valorosos e acalorados debates, em audiências públicas, no plenário e com entidades sindicais e profissionais liberais, resultando em uma Constituição democrática, plural e inclusiva.

Podemos enfim concluir que a vida do Professor Wilson Brandão foi rica de oportunidades, por sua dedicação aos estudos, à sua determinação como político, ao amor pelo magistério e ao carinho no aconchego do lar. Um homem que preservou sua maneira simples de viver, discreto em tudo que fazia e, por tudo isso, muito respeitado pela sociedade.

Que ele possa iluminar e ser instrumento de inspiração para os jovens, na construção de uma sociedade mais justa e comprometida com o bem estar social.

Wilson Brandão calou sua voz a 25 de abril de 2001, após vários anos de luta contra o Mal de Alzheimer, uma ironia do destino para a vida de um homem que acumulou tanta riqueza intelectual.

*Wílson Nunes Brandão, da Academia Piauiense de Letras, é historiador, engenheiro eletricista, bacharel em direito e deputado estadual no exercício do 9º mandato. Autor, entre outros, de Mitos e legendas da política piauiense