Nunca pense que maltratar animais seja coisa sem importância...

O PERIGO DE SER MAU

 

Miguel Carqueija

 

 

No fresco das seis da manhã a viatura da carrocinha de cães seguia célere pelas ruas do Rio de Janeiro. Já na Aldeia Campista apanhara vários cachorros e agora, em Vila Isabel, prosseguia o seu trabalho.

— Olha aquele ali! — gritou o Russo. Quando ele falava até os seus colegas saíam de perto. Os narizes se ressentiam muito.

O vira-lata amarelo, velho, faminto e abandonado, fuçando o lixo, estava muito enferrujado e foi laçado facilmente, sendo brutalmente jogado dentro do camburão. Os homens riram e olharam em volta; como não houvesse outro cão por perto, puseram-se em movimento. Um deles avistara um gato sobre um muro, mas como seria muito difícil pegá-lo, não se interessaram.

Nas proximidades da Avenida 28 de Setembro avistaram um grupo de crianças brincando alegremente com uma lulu negra. Diante do espanto das crianças o Zelão irrompeu no meio do grupo, tentando laçar a cadela. As crianças gritaram e tentaram impedi-lo, a lulu correu e foi laçada pelo Toni Bode, e ouviram-se pela rua ganidos lancinantes. Em seguida os sujeitos bateram nas crianças e na moça que tentou intervir, e ainda ameaçaram:

— Olhem que os nossos guardas dão tiro em vocês!

— Trata ela bem, Toni! — gritou o Zelão, com um olhar tremendamente maldoso. — Essa é novinha e cheira bem!

Eles arrancaram antes que se juntasse mais gente, e pouco depois estavam na Rua Barão do Bom Retiro. No caminho pegaram mais três e esperavam completar o lote até o Engenho Novo. Os donos teriam apenas três dias para pagar a taxa de mais de duzentos cruzeiros, ou.... bem, uma versão diz que eles são eletrocutados lentamente, outra que são entregues aos laboratórios para pesquisas...

No Largo de Araújo Leitão as pessoas na rua começaram a olhar para cima, porém os apanhadores não prestaram muita atenção. Entretanto, ao passarem da igreja, começaram a notar verdadeiro pânico. É que o pequeno objeto prateado, que surgira no céu, crescera rapidamente e agora sobrevoava a carrocinha a pouca distância. Quando ficou bem por cima dela, o disco voador lançou pela sua parte inferior um cone de luz alaranjada que fez o veículo parar imediatamente. Os homens saíram em pânico do carro e olharam para cima: o disco, parado em pleno ar, parecia representar um imenso e tranquilo poder. Os dois guardas sacaram suas armas e dispararam, ou melhor, bem que tentaram: não saiu bala nenhuma. Então um raio mais fino, dentro do outro, atingiu a fechadura do camburão e abriu-a; os cachorros saíram num tropel, latindo agradecidamente, e, passando pelo cone alaranjado, correram de volta para suas casas ou ruas; e a parte mais espantosa da operação começou. Surgiu um facho de luz verde. Um a um, os homens da carrocinha foram sugados pelo facho e penetraram, apavorados, por um alçapão da espaçonave; abriu-se então um alçapão muito maior e o próprio carro foi puxado e engolido.

E sob o aplauso geral o disco voador pôs-se a girar sobre si mesmo, ganhando altura aos poucos, endireitou-se depois em direção a noroeste, e logo sumiu-se velozmente nas alturas.

 

NOTA: este conto foi escrito entre 16 e 20 de abril de 1978, fazendo referência à moeda da época.