O pensamento crítico-pedagógico de Afrânio Coutinho.
Por Cunha e Silva Filho Em: 22/08/2021, às 19H58
O Pensamentos crítico-estético-pedagógico de Afrânio Coutinho (1911-2000) extraídos da obra Correntes cruzadas (Questões de Literatura. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1953.
Organizador: Cunha e Silva Filho
Esta seleção me foi solicitada a pedido do Professor emérito da Literatura Comparada da UFRJ Coutinho e Ph.D em literatura comparada pela Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA. Esta seleção de fragmentos de passagens relevantes da da obra em tela foi realizada durante o meu período em que escrevia minha pesquisa de Pós-Doutorado.
Acredito que as escolhas feitas foram, e criteriosamente selecionadas e, na realidade, refletem pontos basilares do pensamento crítico deste scholar, historiador, crítico literário e articulista sobre assuntos diversos mas sobretudo, educação e crítica literária no jornal Última Hora., de saudosa memória.
Eu mesmo o acompanhava a leitura dos artigos de Afrânio Coutinho, alguns bem corajosos e políticos sobre questões relacionadas ao ensino de literatura seus métodos, a condição precária dos professores brasileiros de todos os níveis. Ele foi - digamos assim - o corifeu da chamada “Nova Crítica” que veio para desbancar o já desgastado Impressionismo crítico de rodapé, ainda que este tenha tido revelado grandes críticos como Álvaro Lins (1912-1970) e outros.
A par disso teve um intensa atividade de coordenação e de organização de diversas fortunas críticas de consagrados autores brasileiros. Portanto, leitor, alvitrei em oportunizar o leitor com uma leitura e reflexão sobre estes fragmentos que, por si sós, dão uma visão ampla do autor no que tange ao seu pensamento de então, década dos anos 1950 sobre correntes críticas inovadoras e que deveriam ser concretizadas no ensino de Literatura no país. da obra O volume inclui uma boa Bibliografia e um Índice Onomástico, valiosos ao pesquisador e que diz bem e antecipadamente da meticulosidade de ordem técnica dos livros do autor pela importância que sempre deu à necessidade de uma indispensável “Bibliografia” em trabalhos de envergadura como esta obra. .
1.“A crítica é, acima e antes de tudo, crítica-poética, no sentido aristotélico, e a história só vale na medida em que é um auxiliar na compreensão da obra, um meio e não um fim, e um meio útil às vezes, por vezes perturbador.” (p.V)
2.“Para a ‘nova crítica’, o movimento de âmbito universal que forma hoje a tendência dominante, o que importa, sobretudo, é a obra, o texto, e na análise do texto – de poesia ou de prosa – se especializam em várias escolas, buscando o difícil núcleo, o intrínseco, que forma a essência estética da obra de arte literária.” (p.V-VI) 3.“O preconceito antiamericano, em particular, é muito comum em certos intelectuais que, por maiores que seja as provas, não tomam conhecimento da América, a despeito de, no mínimo, ela ser hoje o mais sério e mais importante centro de estudos do mundo.”(p.VII)
4.“A descentralização intelectual, conforma com a nossa realidade, que é de base regional.”(p.VII) 5.“Importando sobretudo à ‘nova crítica’ a literatura, o exercício literário constitui atividade autônoma em relação às outras, máxime a política, sem do espúrias as formas de literatura de participação (‘engagée’), pois o escritor só deve fidelidade à sua obra, sua vocação, sua arte.”(p.VII)
5.“A criação literária envolve um problema de técnica, a partir do momento em que o espírito criador se projeta sobre o material a ser modelado em obra de arte.” (p.18) 6.“Evidentemente, não se ‘fazem’ escritores em cursos de letras, o escritor já nasce feito, nisso que sua vocação é recebida, misteriosamente com a vida.” (p.29”).
7.“Outra grave falta no ensino superior de letras entre nós é a de cursos gerais de Literatura, de uma cadeira de introdução à Literatura, na qual se estudassem os problemas gerais de teoria, propedêutica as vás várias cátedras de literaturas nacionais.”(p.33)
8.“Não se substitui experiência por simples título. É tarefa lenta, humildemente realizada, acompanhando a sucessão das gerações com a modificação dos métodos.”(p.35)
9.“ De qualquer modo, minha posição é de crença e confiança na Literatura independentemente de suas conotações sociais e política.” (p.44).
10.“Esse escritor tem sido acusado, malevolamente e sem aoio nos faos, de exageradamente submisso às novidades americanas. É possível, aliás, que aos americanos ele parece hostil, com é comum ocorrer com os livre-atiradores que a nenhum partido enfeudam sua opinião: têm todos contra si.”(p.49)
11.“Esse monopólio da influência francesa teve acima de tudo mais uma consequência grave: não nos deixou tempo nem curiosidade para conhecer e absorver a contribuição de outras plagas, a não ser aquilo que viesse com o selo da consagração parisiense”(p.50)
12.“Não perdendo o pé no mar imenso que nos separa, guardando a devida perspectiva, muito há que aprender com os espanhóis. Ainda agora, ao mesmo tempo que nos outros países se procuram direções novas para a crítica, os espanhóis também enveredara pela estrada da análise intrínseca, interna, da obra literária, à luz da estilística, um dentre muitos métodos adotáveis naquele sentido”(p.52)
13.“Também os italianos permaneceram afastados de nós, em virtude de nossa exagerada preocupação com a literatura francesa, Preocupação muito justa e fecundante, mas que redundou em prejuízo ao assumir cunho exclusivista e monopolizante.”(p.53)
14.“Dizia que os ingleses traduzem tudo. E bem. Pode-se estudar na Inglaterra e na América do Norte sem sair do inglês. Nós somos poliglotas. Lemos mal várias línguas estrangeiras, por isso estudamos mal.”(p.60)
15. “E os alemães? E os ingleses?, italianos, espanhóis, eslavos?” (p.61)
16.“A crítica no Brasil tem-se desenvolvido segundo duas linhas paralelas, caracterizadas cada uma delas pelo que representam, respectivamente, as figuras de Sílvio Romero e José Veríssimo, Não se pode aceitar em bloco, como a última palavra em matéria de crítica a obra de nenhum dos dois escritores.”(p.65)
17.“José Veríssimo é o patriarca de uma linha de críticos a que se poderia chamar ‘críticos jornalistas’. São os ‘reviewers’ dos anglo-saxões, os revedores de livros, para revalorizar uma expressão que usavam nosso clássicos, são os cronistas e noticiaristas de livros, aqueles que, somente, de maneira geral, são tidos como críticos entre nós, porque são os militantes, os profissionais da crítica, os que a exerceram ou exercem de maneira efetiva em seções permanentes de jornais.”(.65).
18.“É mister criar-se entre nós o partido dos homens desagradáveis, antônimos dos tais cordiais e dos ufanistas, inconformados aos quais incumbiria falar calmamente ao arrepio da norma vigente desde Pero Vaz de Caminha de ufanarmo-nos de nossas misérias.”(p.69)
19.“Quem já publicou livro entre nós tem experiência da perplexidade que lhe advém dos comentários críticos: uns exaltam seu estilo, enquanto outros o espinafram, uns se entusiasmam com seu livro, sem reservas, ao passo que outros não enxergam nele o menor valor. Nenhuma coerência na análise, nenhum objetividade.”(p.75)
20.“Não podemos continuar nesse beletrismo vago superficial, irresponsável. È preferível um padrão unilateral à ausência de padrão.”(p;79)
21.“Ineficiência de nossas Faculdades de Filosofia decorre de duas razões, além do erro da improvisação de seus quadros docente.: de terem sido organizadas com uma finalidade predominantemente profissional, isto e, para a distribuição de diplomas de professores secundários; e da pobreza do ciclo secundário colegial, ao qual não foi dado o caráter elevado, primeiro degrau do superior, que lhe compete. Há portanto uma etapa faltando, o que redunda em fazer com que as Faculdades de Filosofia desçam do nível, e fiquem na categoria do secundário, um secundário mais adiantado.” (p.79)
22.(...) “A decadência atual do ensino médio é responsável pela terrível crise intelectual que atravessamos. E a uma melhor compreensão e maior eficiência do ensino no passado, um ensino que ainda não seja comércio. , é que devemos o pouco até hoje acontecido no terreno intelectual entre nós. Se não tomarmos radicais medidas reformadoras n esse particular, não se pode prever que fim teremos.” (p.85)
23.“É bem-vinda qualquer tentativa para mudar nossos métodos ou para enriquecer e valorizar o que de válido em nosso patrimônio no particular. Com dizer que nossa crítica tem sido eminentemente biográfica – aqui é possível falar-se em exclusivismo, - não se visa à estultice de subestimar realizações de mérito invulgar, como, por exemplo, as da Sra. Lúcia Miguel Pereira”. (...) (p.91)
24. “Os donos da Literatura no Brasil não toleram que alguém trate antes deles de temas que consideram seus assuntos; sua propriedade”.(...) (p.106)
25.O conhecimento desses novos métodos da crítica não implica numa atitude de subserviência à América, como querem crer os corifeus do ‘nacionalismo’ franco-brasileiro, que tiveram mais de cem anos a imitar a França, e agora tiram o apito da boca a denunciar o imperialismo cultural americano em gregos e troianos, Esse movimento da ‘crítica nova’, como se vê, não é só americano.”(p.116)
26.Toda grande Literatura constrói-se pelos homens maduros, quando tiveram as incertezas e dubiedades da fase de formação e começa a de realização.”(p.133)
27.“O terreno é difícil e o problema sutil. Evidentemente, não se pretende um isolamento da crítica. A crítica moderna tende a ser uma disciplina ‘autotélica’, ou melhor, segundo Blackmur, ‘auto-suficiente mas de modo algum isolada’.
28.Ela considera benvindos todos os esclarecimentos e auxílios dos mais díspares departamentos do conhecimento” (p.149)
29.“Defeito similar é o que nos leva a dignificar o impressionismo. Na falta do rigorismo metódico, contrário aos nossos mais fortes pendores e decorrentes daquela incapacidade para a disciplina intelectual, adotamos o impressionismo, no pior sentido, como método de trabalho , pesquisa e interpretação.” (p.159)
30.(...) “O essencial é fugir do impressionismo, para uma qualquer forma de ‘expressionismo’, empregando este termo aplicado ao caso por Tristão de Ataíde, quem iniciou entre nós a reação contra o impressionismo, reação em busca do método objetivo, de que Sílvio Romero foi o precursor.”(p.206)
31.“Já tem sido assinalado o fenômeno por outros observadores, mas não há mal na insistência, mesmo porque é uma tese cara ao signatário: a da necessidade da descentralização intelectual no Brasil, sob pena de se estancarem as fontes de nossa capacidade criadora.”(p.273)
32.“A orientação de federalizar as faculdades superiores e universidades regionais é um fato que, por demais auspicioso, não pode passar sem menção.
33.Trata-se de um vigoroso passo no caminho da tão almejada descentralização intelectual.” (p.276)
34.“A alma baiana está em constante ligação misteriosa com o mar. O mistério domar a fascina, como se a decifração de seu enigma fosse a explicação do seu destino A maior parte do folclore baiano, as principais festas e tradições populares e religiosas têm o mar como centro, haja vista a lenda de a Mãe d’água salgada e a da água doce, que é a mas profundamente enraizada na alma popular.” (p.279-28).
35.“E grata a esta seção assinalar, para voltar a ele depois, o aparecimento do livro de Damaso Alonso, Poesia Española (Ensayos de métodos y limites estilísticos), no qual o mestre espanhol evidencia de maneira superior estilística, tal como vêm fazendo Hatzfeld, Spitzer, Auerbach, Amado Alonso, G. Devot e outros da escola de estiologia, e segundo tem sido várias vezes referido aqui mesmo.(p.280)
36.“Sim, há muito de sensualismo no bibliófilo. Ama-se o livro por todas as razoes e o bom bibliófilo é totalitário: ama-o pelo que ele oferece de prazer espiritual, à leitura, e pela sua aparência, por suas qualidades físicas.”(p;293)
37.“Ao penetrar no estudo das relações , como diz Stanley Hyman, da Literatura-Arte com a Literatura popular, o crítico descobriu que essas relações não residem na textura superficial da fala popular, mas nos modelos arquétipos dos rituais primitivos, os grandes mitos.”(p.204)
38.“Falsa, acadêmica, artificial, desvitalizada, é uma poesia para a qual só o aspecto formal, artesanal, importa, em detrimento das qualidades de emotividade ou de conteúdo de pensamento, da poesia. Pois poesia não existe verdadeiramente sem a fusão harmoniosa, no ato mesmo da criação, em ter os elementos forma e conteúdo. Assim a acentuação da necessidade de obedecer às normas, às regras, que constituem o nervo da técnica de qualquer ofício, o que as artes não dispensam, não encerra nenhuma capitulação do espírito, das faculdades de imaginação, à matéria. É o ajustamento necessário das duas partes da criação.”(p.305-306)
39.“É que a erudição substituiu a visão.(grifo do autor) Os fichários tomaram o lugar da inteligência, aboliram o homem, o humanismo. Fato,fato, fato, gritava a ciência do século XIX, esquecida de que o fato sozinho nada significa, pois, falta a inteligência concorrer com a interpretação.”(p. 319)
40.”Uma das instituições mais ridículas, em nosso meio semianalfabeto, fácil pasto para o charlatanismo, é a dos donos de assunto.”(p.327)
41.E a mágoa ainda é maior quando nos lembramos que o próximo tomo incluiria Coleridge, a maior figura da crítica inglesa e talvez de todas as literaturas, e a era de Coleridge, o século XIX, a mais fecundante, pois prepararia a aparição da crítica como disciplina autônoma, com seus métodos e leis próprias, tal como estamos presenciando em nossos dias.”(p. 340)
42.“O crítico ideal é aquele que não fica num só approach em relação à obra. É o que combina todos os métodos, como o fez, por exemplo, de modo genial, Coleridge, e como o tenta, em nossos dias, nos Estados Unidos, Kenneth Burke. Para ele, tanto é falso o método psicológico isolado, como o impressionismo sozinho, ou o marxismo, o formalista. O ideal do crítico completo é integrar todos os métodos num approach total, só ele capaz de penetrar a obra e formular sobre ela um juízo, quando quer que uma obra suba ao plano de obra de arte e mereça apreciação e julgamento.”(p.342)
43.(..) É que. produto do individualismo romântico, o impressionismo exagera a reação instintiva, pessoa, transformando-a na medida de tudo”. (...) (p. 343)
44.(...) O crítico impressionista restringe-se à impressão, enquanto o crítico completo integra-a numa visão total.”(p.243)
45.“Para julgar é mister um padrão objetivo, um critério, um corpo de princípios, cânones, padrões, sistemas, a observância de certas normas universais. É imprescindível sair de si mesmo, submeter-se ao real.” (...) (p. 243)
46.“O crítico completo não anula o sentido criador que deve haver na atividade crítica. Integra-se numa forma superior, dá-lhe segurança de um corpo doutrinário, para que possa estabelecer ‘juízos de valor.’ Submete a obra de arte à luz de um critério superior de julgamento, e, embora não se deixando guiar por simples impressões, empresta-lhes atenção, recolhe-as, cataloga-as.”(p.343)
47.“As gerações como a minha, comprometidas por graves deficiências de formação e por falta de orientação, agravados estes defeitos no meio brasileiro, lutam com maiores dificuldades para atingi-lo, mesmo sabendo onde estão os princípios básicos e os lineamentos teóricos da nova crítica. Quanto a mim descobri-a tarde.” (...) (p. 344) Extraídos da obra Correntes cruzadas (Questões de Literatura.
48.“As gerações como a minha, comprometidas por graves deficiências de formação e por falta de orientação, agravados estes defeitos no meio brasileiro, lutam com maiores dificuldades para atingi-lo, mesmo sabendo onde estão os princípios básicos e os lineamentos teóricos da nova crítica. Quanto a mim descobri-a tarde) “ .” (...) (p. 344).