(Reprodução)
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[Carlos Castelo]

“Os oficiais do nosso exército. A nossa oficialidade compõe-se de tenentes de cafés, capitães de escritório, coronéis de pijama, e generais de chinelos. Do resto, nem vale a pena falar… (Caderneta do Lóide, de 1927. Biblioteca Antônio Torres, de Diamantina)

“Li num dos nossos matutinos um artigo, firmado por uma senhora (creio que é pseudônimo), que ataca o culto das imagens, dizendo ser isso ato de idolatria. Eis aí uma senhora curiosa: é contra o culto das imagens por não querer ser idólatra! Recusará também essa calvinista ser idolatrada de alguém?… Depende da sua idade. E como não a conheço, não o posso decidir”. (Paz aos idólatras…)

“A atmosfera de um consulado é, intelectual e moralmente, inferior à de uma delegacia de polícia”. (Carta a Gastão Cruls, Londres, 21/2/1922)

Fala-se e escreve-se rios de palavras, até hoje, sobre o jornalista norte-americano H.L. Mencken e seus artigos, de tamanha agudeza, que pareciam picadas de abelhas sobre a superfície da consciência. Em âmbito nacional, em tempos mais recentes, sempre será lembrado o jornalista Paulo Francis. Que, como bom parresiasta, morreu como um Sócrates, de tanto dizer a Verdade.

Do polemista que redigiu os três parágrafos no início desta crônica, porém, paira um silêncio ensurdecedor. Refiro-me a Antônio Torres.

(Antes que confundam tudo, falo do ex-padre e cronista mais lido do Brasil nos anos 1920-30; e não de seu homônimo, o ocupante da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras, e autor de Um táxi para Viena d’Austria).

Poucas vezes a imprensa botocúndia pariu autor tão ácido e sarcástico quanto Torres. Suas posições lusofóbicas, iconoclastas (por vezes misóginas, reconheçamos, mas consideremos a época em que publicou…) puseram abaixo um sem-número de ídolos ocos do período.

Coragem, desprezo pelo establishment, impiedoso senso do ridículo. Estas, as principais características de Der Konsul – como era chamado no período em que militou pela diplomacia brasuca na Alemanha. Torres escancarou, em crônicas de um humor quase panfletário, as ignomínias e aviltamentos da vida brasileira, investindo contra indivíduos e instituições, vivos e mortos, homens e mulheres.

Alegra-me obter, com acesso fácil, as obras de Rubem Braga, Sergio Porto, Luis Fernando Verissimo, Nelson Rodrigues e tantos outros colossos da nossa crônica. Ao mesmo tempo, lamento que só exista um (eu disse um) livro dedicado ao invulgar Boca do Inferno mineiro.

Se ainda não leu, devore já “Antônio Torres – uma antologia”, com introdução, seleção e notas de Raul de Sá Barbosa. Aliás, Barbosa, como Torres, foi cônsul-adjunto em Hamburgo. Por aquelas bandas germânicas decidiu pesquisar a passagem do satirista pela cidade. O resultado é um livro que faz justiça ao formidável verbo daquele que, para mim, se ombreia a Henry Louis Mencken. Mas foi nascer no Brasil, dá nisso…

Em tempo: talvez seja enxugar gelo sugerir pautas a editores, mas, como sou teimoso, proporei. Por favor, relancem Da correspondência de João Epíscopo, Pasquinadas cariocas, Prós e contras, Verdades indiscretas e As razões da Inconfidência. Faltam Torres nessas épocas de campanários.

(Publicado originalmente no Estadão)