O Olho mortal: das aventuras a outras questões
Por Cunha e Silva Filho Em: 02/06/2017, às 13H24
Cunha e Silva Filho
Miguel Carqueija já é uma autor bastante conhecido dos aficionados em ficção científica. Tem produzido neste gênero alguns livros que dão suficiente demonstração do talento do autor para essa vertente de literatura. O olho mortal é uma novela que dá sequência a duas anteriores, O fantasma do apito e O Clube da Luluzinha. Alguns livros do autor nesse gênero, de que tenho notícia, são A âncora do argonautas (1999), A esfinge negra ( 2003), As luzes de Alice (2004), Farei o meu destino (2008)
As três sequências mencionadas acima incluindo O olho mortal, têm extensão de média para curta quanto ao número de páginas, o que não é desdouro para um tipo de ficção que, a meu ver, se concentra primordialmente no dinamismo da narrativa, nos múltiplos incidentes, nas ações, no suspense, no ponto certo de dosar o nível narrativo e descritivo de uma história, sem desprezar a força dos diálogos. Um dos requisitos principais do autor de ficção científica é saber como atrair o leitor e sobretudo o leitor adolescente, posto que adultos há que são admiradores desse gênero literário.
Quem não gosta de adentrar numa história cheia de lances espetaculares, de risco, de perigos à vista, de fatos imprevisíveis? Esse o caso de O olho mortal, narrativa com todos os componentes que aproximam o leitor de uma leitura divertida e até reflexiva, porquanto a ficção científica nunca foi meramente passatempo, mas uma oportunidade em que o narrador nos fornece momentos de reflexão sobre temas relevantes da vida, atual ou futura.
Não se pode deixar de salientar que a ficção científica tem um caráter de evasão, de escape, onde o leitor se transporta a um universo específico, no qual a inverossimilhança se torna verossimilhança segundo aquele conceito de “pacto narrativo.”
Quer dizer, o leitor imerge num espaço físico e de ações humanas que ultrapassam a realidade lógica da vida. O leitor, para fruir tal tipo de narrativa, deixa-se levar pela mão do narrador a mundos e a situações humanas fora da realidade referencial, em que se aceita o que nos é narrado, à semelhança de uma história inventada para um criança curiosa de saber qual o desfecho da história e o que vai acontecer com seus protagonistas. Se o leitor juvenil ou adulto se envolver com esse mundo imaginário, cheio de fantasias e de surpresas sensacionais (agradáveis ou não), seguramente vai sendo conquistado pela habilidade do autor na elaboração de suas histórias, seus personagens, seu enredo.
Em resumo, sãos as aventuras vividas, pelos seus personagens num enredo bem urdido que farão com que a ficção científica alcance sucesso. Certamente não hão de faltar no enredo os heróis e os vilões, sendo que a vitória dos heróis terá maior peso nas histórias, ou seja, serima os vitoriosos. Nesse tipo de ficção, é preciso que o bem vença o mal no epílogo. Por essa razão, há - não digo em todas -, um elemento que torna a narrativa desse gênero algo compensador: um determinado propósito edificante.
Alguns teóricos da ficção literária ainda veem a ficção científica como subliteratura, apesar de que a história literária da ficção já considerou as obras de um Júlio Verne ou de um H. G. Wells como ficção científica, em sentido lato, de qualidade e, na segunda metade do século 20, notabilizaram-se grandes nomes da FC, como Ray Bradbury, Arthur C. Clark e Isaac Asimov. Segundo o professor Martin Gray (Dictionary of literary terms, p. 258, 1994) em obra que costumo consultar, a FC (ficção científica) ganhou “imensa popularidade” tanto nos romances quanto no cinema e, ainda nas palavras desse autor, “[a ficção científica] desempenha um papel fundamental na imaginação moderna, possibilitando a aplicação de um maior senso de realismo científico com uma mescla variada de discretos voos fantasiosos.” Conclui o mesmo autor: “Amiúde ainda não se considera a FC uma literatura ‘séria.’
O enredo de O olho mortal, para as pretensões dos supostos leitores e da faixa etária mais visada pelo autor, é muito simples. Três jovens tinham o propósito de cursar Letras numa Faculdade em Teresópolis, a Faculdade Modelo. Ocorre, contudo, que elas , no local, surgem assassinatos “misteriosos!, “enigmáticos” e selvagens e a culpa da primeira vítima recai sobre as três estudantes, Carol, Andreia e Fátima. Os crimes acontecem sempre após um “toque de um apito.” Em socorro das meninas, aparece uma outra personagem, a espertíssima e corajosa policial, Irina Danowszki, uma paranormal. Ela, em contato com as jovens, percebe logo que uma das três estudantes é dotada também do poder de vidência e que, ademais, usava um caleidoscópio a fim de conseguir visualizar o que procurasse. Cada uma das quatro personagens é reconhecida por traços específicos de personalidades.
Por exemplo, Carol está sempre encrencando com a policial Irina; Fátima, a lamentar a morte de George, assassinado pelo robô do conde Haroldo Bruxelas, o grande vilão da narrativa. É obvio que o leitor logo é conquistado pelos objetivos das jovens, da policial e do detetive Anselmo, de quem falarei a seguir. Carolina demonstra impaciência diante da vida e sempre sarcástica; Andreia é solitária, ressente-se de uma decepção amorosa e é dona de um cachorro dálmata, de nome Malhado, sempre em companhia de Andreia.
Na luta sem trégua para vingarem-se do conde Bruxelas, desenrola-se uma narrativa cheia de percalços, perigos, situações-limite. As quatro jovens não desistem de perseguirem o conde, um psicopata, dono de um robô assassino que está sob seu controle para a prática do mal, pronto a eliminar qualquer inimigo ou quem quer que seja, porquanto para ele o ódio contra os outros pode ter ou não justificativas.
Conde Bruxelas, por sinal, é o proprietário da Faculdade Modelo Tem estreitas ligações com o underground do crime. Representa, de certa forma, o mal e o bem, pois é considerado um mecenas do ponto de vista de ser o fundador da Faculdade Modelo.
Na perseguição contra o conde Bruxelas, surge ainda a figura do detetive Anselmo, pronta a ajudar as jovens a dar cabo dele. Anselmo é espirituoso, esperto, por vezes não se afina com a detetive Irina. Todavia, secretamente, ele nutre um forte sentimento amoroso para com Fátima. A presença de Anselmo reforça a luta das estudantes e da policial Irina.
As ações da novela se complicam na passagem em que, durante a perseguição ao conde, as meninas, Irina e Anselmo não conseguiram capturar o vilão que se encontrava na casa do seu oftalmologista, Dr. Gedeão Aniceto. Ele escapou mais uma vez e se dirigiu em direção a um rio com forte correnteza. Assim mesmo, uma das meninas Carol, entrou também na água onde aconteceu um duelo mortal. É o ponto alto da aventura em perseguição do conde Bruxelas. Depois de tantos enfrentamentos na água, Carol, já exausta, é socorrida e regatada pela policial Irina. Mais uma vez o conde se escafedeu.
É necessário dizer que na novela não há apenas perseguições, lutas, lances dramáticos e mesmo heroicos. Na narrativa há outras camada de leituras que se podem desentranhar. Irina não é só uma policial destemida e inteligente. Ela é agente de um “poder oculto,” a “Liga Mundial," uma organização pouco conhecida que tem objetivos de lutar pela “paz e a ordem” mundiais. Na última parte da novela, denominada “A Liga se pronuncia,” entram mais outros personagem, de presença passageira na trama: o francês Moacir Hardy, Paulinelli, Anthony Joelsas (apenas citado), Diana (apenas citada), todos agentes da Liga.
Dali em diante, seriam eles que dariam cabo do conde Bruxelas. As três jovens passariam a integrar, na condição de agentes, a organização Liga Mundial e ainda continuariam a frequentar a Faculdade Modelo. A rival da Liga Mundial é a Rede (organização criminosa), à qual pertence, caso não me tenha enganado, o conde de Bruxelas. No entanto, os crimes do conde Bruxelas são perpetrados por sua conta e risco.
Segundo aludi linhas atrás, O olho mortal é uma novela que comporta outras dimensões de leitura. Pode-se mesmo pensar na possibilidade de a narrativa subtextualmente sinalizar a outras motivações do narrador: os despistamentos para diretamente não identificar situações sociais, políticas e históricas que ainda estamos enfrentando no mundo atual, assim como problemas que a contemporaneidade enfrenta sem soluções devidamente resolvidas, como questões do meio-ambiente, do clima, da poluição, da corrupção, pois são muitos os índices que remetem o leitor mais atento a essas questões que fazem parte do debate em escala mundial, da segurança do nosso planeta Terra, entre outras.
A linguagem do texto de Miguel Carqueija é direta, fluente, linear, embora se observe, na narrativa, forte influência de situações espaciais e de descrições dinâmicas, muito visuais e objetivas, a nos lembrarem cenas do cinema. A novela está pontuada de alusões a autores estrangeiros, personagens de obras famosas, nomes de artisstas brasilelieros, nomes de lugares, sobrenomes de personagens estrangeiros, como a lembrar que literatura é o locus especial do diálogo entre autores e autores e entre estes e leitores, quer dizer, literatura possui uma natureza metaficcioal, metalinguística e dialógica.
Uma última característica dessa obra, desta vez do ponto de vista estrutural da novela, são sinalizações que se prestariam a enquadrar a novela como pós-moderna, na qual misturam-se tempos, objetos, atmosfera, ambiente, meios de transporte pertencentes a outras épocas que dão um ar divertido e mesmo irônico ante a combinação dessa mistura espácio-temporal. E, por fim, enfatizando a sua peculiaridade de ficção científica, com ingredientes do sobrenatural, i.e., os poderes de vidência da personagem Fátima, da paranormalidade da policial Irene, o robô assassino do conde Bruxelas. Ora, de tais ingredientes nasceu um novela inteligente e ao mesmo tempo agradável e divertida.