Braúlio Tavares

 


Qual a data do nascimento de Jesus Cristo? Mesmo os cristãos mais fervorosos devem reconhecer que a comemoração em 25 de dezembro é meramente simbólica, uma vez que ninguém sabe ao certo em que data o Cristo histórico teria nascido. Um artigo recente na “Biblical Archaeology Review” (http://www.bib-arch.org/e-features/christmas.asp) faz um exaustivo levantamento das referências históricas a essa data, e por fim se concentra em duas hipóteses. A primeira delas, segundo o autor, Andrew McGowan, é a mais disseminada. Diz que a data de 25 de dezembro foi escolhida porque se tratava da data em que há séculos se realizavam festivais pagãos de inverno (no Hemisfério Norte). Trata-se do Solstício de Inverno, e já em 274 d.C. o imperador romano Aureliano criou nessa data a comemoração do nascimento do Sol Invictus. Pelo que entendo, é a partir dessa data (a noite mais longa do ano) que as noites vão ficando gradualmente menos longas até se chegar ao Solstício do Verão em 25 junho, quando temos (no Hemisfério Norte, claro – aqui é o contrário) a noite mais curta e o dia mais longo, e aí tudo volta a caminhar no sentido inverso.

O problema é que os comentaristas cristãos dessa época não se referem ao fato, e a primeira menção conhecida vem apenas no século 12, através de um cronista chamado Dyonisius bar-Salibi. A teoria mais interessante (diz McGowan) é a que foi ressuscitada para o mundo moderno primeiro pelo francês Louis Duchesne e depois pelo norte-americano Thomas Talley. Remonta a cerca do ano 200 da Era Cristã, quando se afirmou que o dia da morte de Cristo (“14 de Nisan”, segundo o Evangelho de S. João) correspondia a 25 de março do calendário romano.

Isto faz com que haja um intervalo de exatamente nove meses entre a data em que Cristo teria sido morrido e a data do seu nascimento; portanto, a sua data de morte seria a mesma data de concepção, o que cria um ciclo simbólico de morte e ressurreição. Vários autores antigos comentaram essa crença, entre eles Santo Agostinho, em “Sobre a Trindade”: “Pois acredita-se que Ele foi concebido a 25 de março, o mesmo dia da sua Paixão; e assim o ventre da Virgem, onde foi concebido, e de onde nenhum mortal brotou, corresponde a esse novo túmulo em que foi sepultado, e onde nenhum homem repousou, nem antes ou depois dele. Mas ele nasceu, conforme a tradição, em 25 de dezembro”. McGowan aponta a presença desse simbolismo nas muitas obras de arte representando a Anunciação, em que a imagem do infante Cristo é representada descendo do céu com uma cruz.

Verdadeira ou não, a tese mostra o quanto de literário existe na composição dos mitos, e uso a palavra “mito” aqui no sentido de narrativa elaborada coletivamente e à qual se atribui uma verdade transcendental que vai além da verossimilhança e da possibilidade de comprovação. O mito cristão faz à Morte seguir-se o Renascimento, e esse é um dos seus símbolos mais poderosos.