O MUSEU DO SÍTIO BOA ESPERANÇA
Por Elmar Carvalho Em: 18/11/2010, às 19H24
ELMAR CARVALHO
Através do mais recente número da revista Nossa Gente, editada pelo jornalista Raimundo Belchior Neto, tomei conhecimento da existência de um museu, instalado no sítio Boa Esperança, de propriedade do senhor Antônio Conrado. Decidi que em minha primeira viagem a Campo Maior iria conhecê-lo, fato que aconteceu no domingo. A reportagem informava que o sítio ficava no quilômetro 29 da estrada que vai para Barras. Como meu pai não tivesse conhecimento a esse respeito, consultei o Dedé, vizinho de sua casa na rua Capitão Félix, perto do estádio. O Dedé simplesmente sabia tudo e foi preciso nas informações. Disse que o sítio ficava perto da estrada, e era de bom e fácil acesso. Com esse esclarecimento, em companhia do Antônio José, meu irmão, e do amigo Zé Francisco Marques, dirigi-me para lá. Fui recebido cortesmente pelo proprietário. A antiga sede da fazenda é como se fizesse parte do museu, com o seu babaçual, suas grandes árvores e plantas ornamentais, e a gruta onde está entronizado o santo da devoção dos donos da casa. O museu propriamente dito fica num prédio próximo, independente. Ali estavam antigos móveis e objetos, que eu já não via há muitos anos; objetos que foram úteis e preciosos, mas que se tornaram obsoletos ou fora de moda, com as novas invenções e a mudança de gostos e costumes. Numa prateleira estavam enfileirados rádios de vários modelos, alguns a válvula, além dos famosos Semp e ABC. Este último ostentava o seu slogan “a voz de ouro”, que marcou gerações. Sobre uma rústica bancada estavam enfileirados vários ferros de engomar, a carvão, que ainda alcancei em pleno uso. Entre outros objetos, vi baús, bilheiras e um grande e pançudo pote. Recordei os velhos petromax, que iluminavam as noites sertanejas. Entre os objetos artesanais e mais rústicos, havia um imenso pilão horizontal, de vários furos; um corró, que é uma armadilha de varas para pegar peixes; uma tora de madeira oca, em cujo interior havia uma armadilha para prender pebas e tatus. O senhor Antônio Conrado, em conversa, contou que havia vendido alguns dos objetos, mas depois os comprou de volta, para o acervo do museu. Revelou que um dos novos proprietários se recusou a fazer a retrovenda de um móvel; disse preferir doá-lo, para que seu nome constasse na ficha de identificação da peça. O engraçado é que esse proprietário tem o sobrenome Grosso, mas pelo visto trata-se de pessoa fina e educada, para ter essa sensibilidade e percepção. Contemplei uma grande e velha cadeira de outrora. Era numa delas, sem dúvida, que os coronéis da carnaúba, do tucum, do babaçu e demais produtos do extrativismo e do gado ditavam suas ordens e suas leis, num tempo mais simples, em que não havia tanta pressa e tanto estresse. É certo que alguns desses objetos existiam na casa de meus pais, mas foi um prazer reencontrá-los, para poder viajar ao país de minha infância.
Na ida e na volta, vimos algumas secas cabeças d' água do Surubim, como disse Dobal, num de seus poemas. São riachos temporários, que, nas grandes invernadas, extravasam suas águas, após dois ou três dias de boas chuvas, mas que, tão logo estas cessem, param de correr, quase instantaneamente, deixando um leito de pedras e areias, sem nenhuma poça d' água. Vimos as Extremas, de nome tão sugestivo e poético. Numa época em que todos têm o seu carro ou sua motocicleta, em que as distâncias encurtaram demasiadamente, já não entendemos a razão desse nome tão extremado. Passamos pelas Areias, do falecido fazendeiro Zé Pedro. Ele era um dos coronéis da pecuária e do extrativismo. Numa época em que poucos podiam comprar um automóvel, ele sempre teve o seu, com motorista particular. Gostava de tomar, de leve, a sua cerveja, num dos barzinhos da cidade, sozinho, a ruminar seus pensamentos. Para que se tenha uma ideia de suas posses e cabedais, basta que eu diga que ele, em companhia de sua mulher, ia ao exterior, para assistir à Copa do Mundo de Futebol, numa época em que viajar de avião era um misto de aventura, luxo e glamour. Antes do bairro Flores, de nome poético, florido e cheiroso, no sentido de quem vai de Cabeceiras para Campo Maior, nos deslumbramos com a alcatifa das suaves colinas e com os tabuleiros de capim mimoso, onde as ovelhas pastam placidamente. Nessa paisagem ainda podemos ver os galopes dos potros e ouvir o relincho das éguas e o canto alegre dos bem-te-vis. Ao longe, podemos vislumbrar o debrum do perfil azulado da serra a se recortar contra o azul do céu e o branco das nuvens. E o pensamento vaga e divaga por essas quebradas encantadas.