[Bráulio Tavares]

 
Era uma vez um rapaz que, numa época de guerra e de fome, foi embora de casa para procurar trabalho. Passou por perigos e aventuras. Um dia, quando se aproximava de um povoado, viu um corpo caído na beira da estrada. Era um homem, vítima dos assaltantes, que parecia ter morrido há várias horas e continuava ali. Como pertinho havia uma fonte, o rapaz parou para beber água e descansar. Demorou mais de uma hora, e durante aquele tempo passaram dezenas de pessoas que paravam, iam olhar o cadáver, e seguiam caminho. O rapaz começou a propor a algumas delas que enterrassem o morto, mas todas diziam: “Pra quê? Já está morto mesmo...” Quando se decidiu a seguir caminho, o rapaz pegou um pedaço de madeira, cavou um buraco, colocou o morto lá dentro e cobriu com terra, fazendo depois uma cruz rústica com dois galhos de árvore.

Algum tempo depois, o rapaz se envolveu em um conflito, foi preso e ficou a ponto de ser enforcado. Quando parecia estar sem saída, apareceu um homem que magicamente conseguiu tirá-lo daquele aperto e levá-lo embora. Quando o rapaz agradeceu a intervenção, e perguntou ao salvador quem era ele, o homem disse: “Sou aquele que ninguém quis ajudar depois de morto, e só você se importou”. E desaparece.

A figura do Morto Agradecido está presente em muitos folclores; gerou, entre outros efeitos colaterais, o nome da banda californiana Grateful Dead. (Ao que consta, Jerry Garcia escolheu o nome aleatoriamente, como era hábito na Contracultura, abrindo um livro ao acaso.) Stith Thompson (The Folktale, 1977) observa que no Livro de Tobias, no Velho Testamento, este tema reaparece, sendo que o Morto Agradecido é substituído por um anjo. A história tem uma variante em que o Morto pede, em troca de sua ajuda, metade de tudo que o rapaz ganhar; quando ele se casa, o Morto sugere que a noiva seja serrada em duas (o que não chega a ser feito). Outras variantes (um duelo para ganhar a noiva, etc.) foram se juntando com o correr dos séculos.

Deixando de lado as variantes colaterais, o núcleo da história (o morto, o sepultamento, a aparição misteriosa) se mantém intacto em centenas de histórias na Ásia, na Europa e na América. Por um lado, a ação do rapaz serve como um termômetro de humanidade. O mundo pode estar devastado pela peste ou pela guerra, mas enquanto houver alguém capaz de sepultar os mortos existe a esperança de um retorno à normalidade, à convivência humana. Por outro lado, sepultar um morto que está abandonado por todos é praticar uma boa ação sem esperança de retorno ou pagamento. Quando ajudamos um vivo, há sempre a expectativa, mesmo inconsciente, de que um dia aquele indivíduo irá se lembrar de nossa ajuda e retribuí-la. Ajudar um morto, contudo, é uma ajuda “a fundo perdido”, pois o sujeito sequer sabe que está sendo ajudado. O aparecimento sobrenatural do Morto Agradecido é uma compensação simbólica por esse gesto de altruísmo