O morro da casa grande

 

16. A franga pedrês

Dílson Lages Monteiro

 

Os fins de tarde se encurtavam a cada novo escurecer. A casa, em breve, seria um silêncio só – tão inerte que a sinfonia dos capotes, em cantiga enfadonha, verter-se-ia em motivo a risos calados. Quase na hora de voltar para casa e isso os deixava, os netos de Custódio, mais inquietos, mais sedentos em aproveitar o que sobrava das férias.

 

Marciano concentrava em si fisionomia parada. Pensativo, pensativo como a sapucaia no pé do morro, a árvore de longos tentáculos na rigidez de constante meditação – a sapucaia que se mexia quando as nuvens de algodão se dividiam ou corriam acima dos morros. Mexia-se a sapucaia em constante meditação, no balé das nuvens ou na força dos ventos, raros àquela época do ano. Mexia-se como Mariano olhando para si, olhando o mês que se vencia.

 

O peito se contraia quando se lembrava da casa em Barras, do Marataoã, dos movimentos na praça da Matriz, mas queria ficar parado, como as árvores, como os morros. Queria ficar, mas dali a dois dias entraria, ele e o irmão, no carro do coco. Era bom aceitar logo a certeza e se preparar para outras alegrias, a de abraçar a mãe, a de entrar na igreja, a de brincar pelo quintal imaginando-se senhor de terras e bichos. Enquanto o caminhão não chegasse, que tomasse banho no Tanque, que comesse crioli, que domasse o cavalin de carnaúba até o tempo se esgotar.

 

O menino amanhecera com disposição de assustar. Não parava de rondar o quintal vendo tudo de quanto era franga – ia pedir uma para a avó, ia pedir. Queria uma pequena, talvez tão cedo não virasse comida e sobraria tempo para vê-la crescer. Queria franguinha pedrês; até ali não passava pela idéia franga despenada. Queria uma franga para por ovo e não morrer.

 

- Lá em casa não ferve na panela franga que bota ovo! Não ferve!

 

Estava decidido: a franga pedrês que dormia nas galhas baixas do pé de pitomba. Desde quando pusera os chinelos no quintal, que corria a vista nas franguinhas, para não ter dificuldades em escolher, nem medo de pedir; por isso, repetia a si e ao irmão: “Vovó, me dê uma franga?” E se a avó não desse? Insistiria: “Oh, vovó, me dê?” Levaria qualquer uma: de lembrança das férias até franga pelada.

 

Mandaria o irmão menor pedir primeiro, em seguida, pediria. Se a avó presenteasse o pequenino, ele também receberia uma franga. Que fosse a pedrês, a que ciscava meio-dia debaixo do pé de urucum, a que se espantava com o jabuti comendo carambola.

 

Ia pedir!