O MEDO DE NÃO SER ATUAL

CUNHA E SILVA FILHO

Nos últimos tempos trazidos pelos avanços científico-tecnológicos há uma pressa de se mostrar atualizado em detrimento tanto da qualidade quanto da quantidade, situação esta vivida pelo meio acadêmico de cunho neoliberal e globalizado, cuja apanágio é regido pela “necessidade” da renovação desmesurada, quase não deixando espaço para um momento de calmaria, de parada temporária, de respirar um pouco, de não obrigação de produzir por produzir. Ora, sabemos que a produção científica acadêmica tem que ter tempo de maturação. por vezes, em origem numa ideia que não nasce por geração espontânea.

Em artigo muito antigo eu já tinha chamado a essa situação específica do mundo moderno de “o primado do instante”. Ontem, lendo um artigo de Hélio Schwartsman publicado na Folha de São Paulo, ele fez alusão à imposição poder-se-ia afirmar, daquela “necessidade”. Nas palavras do articulista: “São montanhas de pesquisas parindo pequenos ratos.” Ou seja, os cientistas se veem compelidos a apresentar trabalhos científicos de ouca utilidade sobre dados fatos, em forma premente de, no mundo acadêmico universitário sobretudo, de medir a respeitabilidade dos docentes e pesquisadores pelo número acumulado de trabalhos acadêmicos a fim de não se sentir anacrônico ou improdutivo junto aos seus pares.

Esse desejo incoercível, se exagerada, vai produzir certamente trabalhos apressados nem tão relevantes porque forma impostos pelas regras estabelecidas do valor da produtividade. Sobre essa mesma questão. Li. uma vez, uma crítica justa do linguista brasileiro Carlos Eduardo Falcão Uchôa, segundo o qual produzir a toque de caixa não é a melhor forma de produzir bem e de forma sólida trabalhos acadêmicos e de pesquisa e ponta. Não é a quantidade de trabalho que vai aquilatar o valor de um docente universitário.

A pressa leva à imperfeição. “Festina lenta,” diziam os latinos. No campo literário é a mesma coisa. Professores universitários há que escrevem muito, mas outros não se sentem prontos a escrever só por escrever. Há, segundo já aludimos. uma espécie de imposição que vem de cima e, a ver, meu ver, não conseguem realizar trabalhos de grande complexidade que não podem ser escritos aos trancos e brancos. Há que pesquisar pacientemente, colher dados, ler ou reler livros, necessidade de atualização bibliográfica, esquecer autores que já estão ficando datados no desenvolvimento de suas ideias. Em outras palavra, há um ânsia de cobrança indevida por parte do mundo acadêmico. O   citado  jornalista  da Folha de São Paulo , oportunamemente  recorda  o vezo  do "publlish  or perish."

Me lembro de um filólogo da Universidade Fluminense que lamentava constatar que alguns autores, no campo da linguística, já nem eram mais citados por novos pesquisadores. Se tornaram megatérios. Essa sofreguidão de atualizações pode prejudicar um dado altamente importante em qualquer avanço que se faça de natureza epistemológica: o desconhecimento do legado dos que fincaram as bases em que se assentam os novos trabalhos sobre linguagem, os quais, a meu ver, sofrem de um defeito : estão ficando muito cifrados, seguramente para acompanhar os avanços e progressos das ciências e tecnologias.

O certo, no campo epistemológico, o seguro seria a indefectível “revisão” séria e imparcial do legado do passado. A hipertrofia axiológica do presente fica capenga quando apaga as conquistas do passado recente ou muito remoto. Sofrerão os antigos um olvido de viés ideológico, o que é nocivo para as conquistas do saber humano. E isso e mal tanto para as ciências exatas quanto para as ciências humanas.

Urge, pois, fazer o equilíbrio como medida de desenvolvimento do conhecimento humano em todas as áreas. Cautela, portanto, em permanecer num “presente” sem sustentação das bases fundamentais do saber universal e intemporal.

Convém relembrar que o presente tão endeusado perderá suas raízes ancestrais e suas fundações sem as quais o futuro não terá como se sustentar seus alicerces e explicitar, com profundidade, as origens da realidade material e imaterial. Esquecer as civilizações antigas e os estudos dos grandes filósofos helênicos, ou seja, os estudos clássicos. a filologia, seria arriscar a capacidade hermenêutica de entender o Homem e o Universo.