[Maria do Rosário Pedreira]

Todos ficámos chocados com o que aconteceu há dias em França quando dois fundamentalistas islâmicos entraram na redacção de um jornal satírico e liquidaram em minutos uma data de jornalistas, ferindo muitas outras pessoas. As reacções do mundo ocidental não se fizeram esperar, pois o atentado punha claramente em causa a liberdade de expressão e aparecia não só como uma espécie de vingança (os cartoonistas estavam sempre a meter-se com o Estado islâmico), mas também como um aviso, uma ameaça. (Lembremo-nos de que uns quantos jornalistas foram decapitados uns meses antes, e os vídeos enviados para o mundo ver que nada daquilo era bluff.) Porém, apesar do horror, o balanço dessas reacções resumia-se muito claramente a uma ideia: não podemos ter medo, não vamos cair na armadilha. Vi nos jornais e nas redes sociais muitos jornalistas portugueses sublinharem este aspecto. E, no entanto, nunca o jornalismo português me pareceu mais inerte e obediente do que agora. Até os títulos das notícias de certos diários (às vezes é preciso ler duas vezes para os perceber) parecem tirados ipsis verbis dos comunicados enviados pelos assessores de imprensa dos ministérios, e os artigos reproduzem-nos comentando pouco e pouco questionando; um jornalismo correctinho, sem risco, porque não estamos em altura de perder o emprego e é melhor não chatear o dono do jornal, que até é do partido do Governo? Ora, se temos medo do patrão, como não vamos ter medo da Al-Qaeda? Talvez este exemplo internacional – um dos cartonistas disse seis meses antes da tragédia que preferia morrer de pé a viver de joelhos e que continuaria, por isso, a fazer o que achava que devia fazer – sirva para agitar as águas dos nossos jornais que, quando não andam pardacentos, parecem preocupar-se apenas com escândalos ou a cor das cuecas de Sócrates. Espero que muitos dos nossos profissionais da comunicação social sejam, de facto, Charlies, pelo menos uma vez por outra.