Cunha e Silva Filho



                       Podem estranhar, leitor ou leitora, o título desta crônica, porém me explico no que relato adiante. Não sei se vou convencê-lo de que estou com a razão.
                      Na última vez que vi meu amigo Klinger conversamos rapidamente. Foi um encontro casual na calçada do estádio do Maracanã, onde costumo fazer minha caminhada acompanhado de minha mulher. A certa altura de uma volta no famoso estádio, avistei o  major  Kling ( se não me engano, sua promoção para  esse posto  do Exército era  recente) que vinha em sentido contrário e seguramente já tinha feito seu exercício de corrida ou, quem sabe, de mera caminhada.   Estava também acompanhado da família, a esposa e dois adolescentes, os quais me foram então apresentados. Era uma família bonita, unida, saudável.
                     Com aquele habitual sorriso largo e franco, com jeito de semblante de garoto bom e brincalhão, parou e veio ao meu encontro, cumprimentando-me com um abraço afetivo. Me lembro de que fiz um elogio à aparência dos dois jovens, rapazinhos. Tinham a pele clarinha, boa estatura, a denotar que, com o crescimento, seriam altos e fortes como o pai.
                    Não éramos íntimos, contudo mantínhamos um relacionamento bem cordial. Klinger era daquelas pessoas que sempre encontramos sorridentes.  Era carioca. Tinha ascendência germânica. Apreciava o Nordeste, o Ceará, particularmente. Não sei ao certo se morou em Fortaleza. Infelizmente, não disponho de mais informações sobre sua vida nem pude checar antes de escrever esta página de saudade.
                   No Colégio Militar do Rio de Janeiro, do qual era professor de geografia, trabalhei com ele na mesma seção, o Prevest., ou seja, na última série do ensino médio, preparatória ao vestibular.
                 Com o rosto corado, sempre estava de bom humor. Nunca o vi de cara amarrada. Me recordo de que era muito bem entrosado com os alunos. Não podia ser diferente. Com aquele espírito sempre aberto, vendendo saúde e simpatia, o jovem   major Kling era pessoa que todos só podíamos admirar e estimar. E assim foi sempre.
                 Telefonando a um amigo comum e também professor do Colégio Militar, soube que, há pouco tempo, o  major Kling, dirigindo seu carro com a família, foi de repente abordado por um assaltante, um facínora que lhe tirou a vida diante dos seres que mais amava.
                Kling, um cidadão brasileiro e oficial do Exército, professor de um conceituado colégio, com uma vida inteira pela frente tinha apeas quarenta e oito anos -, foi assassinado covardemente num bairro carioca. Crime hediondo, em que mal posso acreditar tenha ocorrido com pessoa tão querida. Só uma besta que de humano só possui o “esqueleto andante”, de que nos fala o poeta argentino Jorge Luis Borges ( 1899-1986), faria tal atrocidade.
                 Contou meu amigo – e me parece que os jornais assim o noticiaram -, que o  major  Kling não esboçou nenhuma reação contra o assassino. É bem provável porquanto era uma doçura de pessoa, muito educado, muito prudente. Sorriso sempre à vista. Sempre a transfundir alegria e vida.
Não quero crer que esse ato perverso seja mais um exemplo de impunidade. O Rio de Janeiro não merece ser, na minha opinião, o lugar mais violento do país. Estou cansado de saber que os assaltos nesta cidade continuam ceifando homens de bem, pais de famílias exemplares, profissionais competentes.
              Os habitantes da Cidade de São Sebastião não mais suportam tantas mortes por assaltos. Há urgência de que penas mais rigorosas sejam infligidas à criminalidade. Um assassino não pode ser apenas encarcerado por algum tempo. Sua pena não pode ser reduzida sob alegações de bom comportamento, ou outros expedientes de leis da Justiça que apenas favorecem, ou melhor, estimulam a escalada de homicídios considerados hediondos. Seria tempo oportuno de se rediscutir a possibilidade da prisão perpétua para o tipo de crime de que foi vítima Kling e outros brasileiros.
            Um assassino toupeira destrói em segundos a vida de um homem de bem, pensando se tratar de um policial, visto que a identificação de um policial por assaltantes, numa espécie de pacto no mundo do crime, vale como instantânea sentença de morte para o policial.
            A educação brasileira perde um jovem professor, um educador da juventude, que irá fazer muita falta aos alunos de agora e de anos vindouros, pois ainda tinha muitos anos de docência a cumprir. Cortaram-lhe os sonhos, os planos, muitos anos de vida a desfrutar, ver os filhos encaminhados, envelhecer normalmente, quem sabe, ser avô e completar sua missão neste planeta tão brutalizado de tantas e diferentes maneiras.
          Naquele dia fatal estava comemorando mais um ano aniversário de casamento. Feliz sentia-se junto à família querida. Não largava da face corada o sorriso sempre renovado diante da existência.
         Adeus, querido amigo e colega do magistério. Tenho certeza de que alunos e professores do tradicional  Colégio Militar do Rio de Janeiro hão de guardar vivamente e para sempre a lembrança da tua passagem por essa centenária instituição de ensino federal do pais.