Li com atenção e proveito o livro de Barack Obama “Dreams from my Father”, já traduzido aqui como “A Origem dos meus Sonhos”.  Em geral não ligo para livros escritos por políticos.  Acho que quem os escreveu foi um ghost-writer qualquer, contratado a peso de ouro.  Duvido que Bill e Hillary Clinton tenham sentado ao teclado para escrever suas autobiografias recentemente editadas.  Não os estou chamando de burros.  É porque é uma gente muito ocupada.  Se tivessem tempo e sossego talvez produzissem livros razoáveis.  Mas não têm.


Quem os tinha era Obama na época em que produziu seu volumezinho de memórias.  Acredito que ele próprio o tenha escrito, porque o livro saiu em 1993, quando ele tinha 33 anos, era advogado, e trabalhava com comunidades carentes na área de Chicago.  A oportunidade do livro surgiu quando foi eleito presidente da “Harvard Law Review”, uma publicação universitária tradicional, que jamais tivera um presidente negro.  Barack nem sonhava em entrar para a política partidária, quanto mais tornar-se senador e presidente.


Suponhamos então que o livro foi mesmo escrito por ele; não é improvável.  (Já não digo o mesmo de “A Audácia da Esperança”, publicado depois de sua entrada na política).  É um livro cheio de observações detalhistas que denotam um olho agudo, uma percepção intuitiva e atenta das emoções, uma disponibilidade em examinar com critério de adulto acontecimentos da infância e da adolescência, sem soterrá-los com explicações ou justificativas.  Obama narra sua infância, retrocede para narrar o encontro de seus pais, um estudante negro do Quênia e uma estudante branca do Kansas, que se casaram no Havaí.  Descreve o desconforto gradual de um negro numa sociedade branca, num jogo onde, diz-lhe um negro mais idoso, “eles fazem as regras, e, quando você aprende a jogar pelas regras deles, eles mudam as regras”.


O livro de Obama, se não fosse escrito pelo atual Presidente dos EA e sim por um escritor negro obscuro, já seria um documento revelador sobre a situação racial nos EUA – e também no Quênia, país onde, no terço final do livro, ele vai em busca de suas origens e de sua família paterna.  Seu livro é (como o “Chronicles”, de Bob Dylan) uma memória romanceada. O autor lembra uma manhã de 20 anos atrás e descreve as nuvens do céu e o pássaro que estava cantando, registra a cor das roupas de uma pessoa vista num café, descreve os cheiros que sentiu.  
 

Livros assim, mistura de lembrança e reinvenção, revelam nossos processos mentais de evocar memórias.  Metade do que lembramos está sendo improvisado no momento da lembrança; e da próxima vez que lembrarmos aquilo, já lembraremos o fato misturado ao que estamos improvisando agora.  Quanto mais lembramos uma coisa, mais o presente modifica o passado.  Ironicamente, quanto mais recordamos um fato mais nítido ele fica, e mais distante do fato que ocorreu.  Quando nossa memória fotografa algo, deleta o objeto, e guarda apenas a foto