Renato Castelo Branco nasceu na cidade de Parnaíba, Piauí, em 12 de setembro de 1914, ano em que começou a I Guerra Mundial. Segundo de quatro irmãos (Hiran, Renato, Maurício e José Ribamar), era filho de Francisco Ferreira Castelo Branco e Orminda Castelo Branco. Descendia de D. Francisco da Cunha Castelo Branco, fidalgo e Capitão de Infantaria do Exército Português, que emigrou para o Brasil em 1693 estabelecendo aqui o tronco principal dos Castelo Branco. Renato faleceu em 19 de setembro de 1995, aos 81 anos, deixando a viúva Norma Castelo Branco e os filhos Hiran, Renée e Renata.

Ao fazer um balanço de seu tempo, Renato Castelo Branco registra em suas memórias: "minha geração viu-se a braços com as mais profundas e violentas transformações já registradas na história, sem encontrar respostas para os impasses de suas contradições". Em sua obra literária, volta e meia emerge a sua preocupação para com a injustiça social em nosso País.

Esse tema é, certamente, um dos principais motivos de suas inquietudes e insatisfações, manifestadas, por exemplo, no livro O Comunicador, quando registra: "podemos exibir na televisão campanhas de brinquedos custosos, carrões, palacetes de fim-de-semana, quando nos cerca tanta pobreza? Qual pode ser a reação dos sem-casa, dos bóias-frias, dos favelados ante o mundo que lhes mostramos, de vida faustosa, de mulheres sofisticadas, de residências cinematográficas? O pobre não aceita mais aguardar resignado a felicidade para a outra vida, no Reino do Céu. Ele quer participar dos bens da vida aqui e agora".

De qualquer maneira, é tarefa árdua resumir com precisão o legado deixado por Renato Castelo Branco ou mesmo traçar o perfil de uma personalidade com tantas facetas. No entanto, é possível, a partir de suas memórias, registradas no livro Tomei um Ita no Norte, e também com base no livro O Comunicador, em que ele descreve o ambiente profissional da Publicidade, estabelecer os principais aspectos de seu legado.


RCB: Dublê de Escritor e Publicitário
Antes de tudo, é preciso situá-lo como um fecundo dublê de escritor e publicitário. Nessa ordem, pois já em 1934, antes mesmo de seu ingresso na publicidade, ele escreveu sua primeira obra literária, o romance de juventude intitulado Armazém 15, onde ele, aos 20 anos de idade, contava as frustrações, revoltas e amarguras de um jovem nordestino, o próprio autor, que migrara para o Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor. Sua vocação literária pode ser inferida já na chegada ao Rio de Janeiro em 1933, quando foi introduzido nas rodas literárias do Belas Artes, café-bar localizado na Avenida Rio Branco e ponto de encontro da intelectualidade e de boêmios, onde RCB se encantava ao conviver com os poetas e intelectuais da época.

O escritor e guru Joaquim Ribeiro, que presidia as rodas literárias do Belas Artes usou as seguintes palavras para saudar o novato: "Renato Castelo Branco representa um teorema psicológico difícil de ser demonstrado, porque nele os sentimentos e as idéias se encontram numa ebulição instável. É o homem que veio do sertão, das plagas da Parnaíba, Piauí, com todas as reminiscências da paisagem nativa e está diante da metrópole com instintos de invasor e aspirações de suave evangelizador. A cidade o compreenderá? Os poetas, aqui, desaparecem, subvertidos pelo tumulto da vida e sofrem a obliteração do talento, ao contato com as asperezas da luta para viver". Poderíamos acrescentar a constatação, neste ano em que celebramos os 90 anos de nascimento de RCB que o Poeta, apesar das asperezas infligidas pela vida, sobreviveu e manteve a integridade de suas crenças de juventude até os seus dias finais.

Essa espécie de preferência pelo trabalho literário é confirmada quando, aos 67 anos, fazendo o que ele próprio denominou de "the summing-up" em seu livro de memórias, revela: "continuo em busca da pessoa que persegui desde a adolescência - atrás de uma vaga ambição literária e do desejo de dedicar a minha vida a uma obra idealista".

É interessante registrar que a maior parte de sua obra literária foi produzida a partir de 1968, após um intervalo de 20 anos em relação ao seu romance Teodoro Bicanca, publicado em 1948. Esse intervalo tem a ver com a sua dedicação praticamente "full time" à Publicidade, enquanto a retomada da literatura, por sua vez, verifica-se a partir de seu desligamento da JWT, naquele biênio de 1968/1969, profissionalmente conturbado.

Ao longo de sua vida, RCB escreveu 22 livros - o último, Comunicador, em 1991. "Seu livro de memórias" Tomei um Ita no Norte, publicado em 1981, mereceu de Jorge Amado a seguinte apreciação: "Li seu livro com grande prazer, aumentado pela beleza dos poemas, que dão ainda maior força aos fatos narrados. Essas suas memórias são ricas de acontecimentos e emoções". Outro grande escritor brasileiro, quarenta anos antes já havia reconhecido o talento literário de Renato Castelo Branco a propósito de sua obra A Civilização do Couro, estudo histórico-social do Piauí, de 1942: "se todos os estados do Brasil tivessem uma monografia sintética à altura desta, o Brasil seria, como um todo, o país mais bem fotografado do mundo" - Monteiro Lobato.

Na literatura, Castelo cultivou os mais diversos gêneros: poesia, ficção, estudos arqueológicos, sociologia e história. Mas ele foi, sobretudo, um mestre do chamado romance histórico e escreveu, entre outras obras, uma trilogia de reconhecido mérito literário: A Conquista dos Sertões de Dentro, Rio de Liberdade e Senhores e Escravos. Nas palavras de Ricardo Ramos, também um dublê de Escritor e Publicitário, Chefe de Redação da Thompson entre 1957-1961, Castelo era um escritor de "múltiplas faces, importante no ensaio, abrangente a ponto de fazer incidir sua análise sobre fatos históricos ou sociais. Extremamente ágil, sério e confessional nas memórias, capaz de inquietações e disciplina, que responde pela feitura superior da trilogia".

Examinando a bagagem literária de RCB, é preciso destacar também a sua obra Um Programa de Política Exterior para o Brasil. Nesse livro, publicado em 1945, o autor se revela um pensador político de visão pois já naquela época vaticinava a criação do que viria a ser o Mercosul, algo que só aconteceria nos anos 90 do século XX.

O crítico Edgar Cavalheiro acolheu a obra com estas palavras: "Um livro repleto de sugestões e de bom senso. Castelo Branco focaliza problemas vitais para o futuro do Brasil e da América. Na sua opinião - e não é difícil concordar com ele - somente através de uma Confederação Sul-Americana encontraremos as bases de uma política exterior capaz de nos garantir contra os azares do futuro".

Para que se tenha apenas uma pequena idéia do poeta Renato Castelo Branco, reproduzimos abaixo as duas primeiras estrofes de seu poema Baal e o Ramo de Oliveira, escrito em 1969:
Poeta, que importa que sonhes
com o fluxo dos mares,
se nada sabes da sociedade afluente?
Poeta, que importa que ouças
a fala das estrelas,
se nada conheces
da renda per capita?

No entanto, em que pese a sua dimensão literária, seu lado publicitário é reforçado pela simples constatação de que ele dedicou a essa atividade praticamente 50 anos de sua existência - de 1935 a 1985, com alguns curtíssimos intervalos, transformando-se numa referência para os publicitários de sua geração, e também para as atuais.

Renato Castelo Branco iniciou sua vida como publicitário na N.W. Ayer em 1935 como assistente de redator. Em 1939 ingressou na J.W.Thompson onde fez uma carreira brilhante: Redator, Chefe de Redação, Atendimento, Supervisor de Contas, Supervisor Comercial no Escritório São Paulo, Gerente do Escritório Rio, Gerente Geral e Presidente no Brasil (1961) e Vice-Presidente nos Estados Unidos (1965) - único latino-americano a conquistar essa honrosa distinção, até os dias de hoje. Norman Strouse, Chairman e Dan Seymour, Presidente da JWT mundial, registraram na ocasião: "Alegra-nos muito que esta decisão pudesse ser tomada, pois temos grande respeito por suas aptidões profissionais e profundo apreço por sua pessoa".

Em 1992, o autor deste registro histórico indagou a Caio Domingues como ele classificaria a Thompson em seu auge, anos 50 do século XX e ele respondeu de bate pronto: "A Thompson era um verdadeiro Boeing". Castelo nos revela em seu livro de memórias Tomei um Ita no Norte quem estava nesse Boeing: "Merrick foi um grande amigo dos brasileiros e, em torno dele, sob sua liderança cordial e inspiradora, formou-se uma extraordinária equipe de profissionais: Augusto de Ângelo, Said Farhat, Otto Scherb, Juan Córduan, Antonio Andrade Nogueira, Hélio Silveira da Mota, Dirceu Borges, Hilda Schutzer, Geri Garcia, Roberto Duailibi, Francesc Petit, José Zaragoza, Francisco Gracioso, Eric Nice, Cândido Mota Neto, Geraldo Santos, Renato Castelo Branco, Caio Domingues, José Kfuri, Charles Dulley, Orígenes Lessa, Ricardo Ramos, J.R.W. Penteado, Francisco Teixeira Orlandi e Julieta de Godoy Ladeira". Castelo acrescenta: "alguns desses nomes gravitaram por longo tempo na órbita do velho Merrick. Outros foram praticamente suas "crias", ou como ele dizia afetuosamente, "my boys".

Este registro ficaria incompleto se não incluíssemos o depoimento de três profissionais. O primeiro deles é Rodolfo Lima Martensen, outro pioneiro da Publicidade Brasileira, fundador da Escola de Propaganda de São Paulo, atual ESPM e dileto amigo de Castelo durante décadas e que assim se expressou no prefácio do livro Tomei um Ita no Norte: "as realizações empresariais de Castelo e o seu destacado papel na dignificação e aprimoramento da profissão que abraçou, tornam difícil imaginar que, por trás do bem sucedido homem de negócios, esconde-se o poeta sensível e inspirado de A Janela do Céu e Candango, Gagarin e Blaiberg... Ele tem os pés no chão e a cabeça no infinito".

Já Hilda Hulbrich Schutzer, a primeira mulher a ocupar a presidência de uma Agência de Publicidade no Brasil e que Castelo escolheu para sucede-lo na CBBA depõe: "o meu convívio pessoal com o Castelo, tanto na JWT como na CBBA, foi extremamente gratificante, pois pude aprender muito com um grande mestre. Aprendi, também, a apreciar os seus escritos, como redator exemplar que sempre foi, criador de grandes campanhas, lembradas até hoje como exemplo. Conheci de perto o poeta, o escritor e o excelente contista. Pude testemunhar a sua grande cultura e o seu imenso prazer de colocar no papel a sua enorme capacidade criativa. Tive no Castelo um grande exemplo, um irmão mais experiente mas, principalmente um grande e verdadeiro amigo".

Roberto Duailibi, um dos mais brilhantes redatores de sua geração, ainda na ativa, provavelmente considerado o discípulo de Castelo de maior projeção na profissão e igualmente presente naquele Boeing de craques revela: " Renato Castelo Branco era um homem absolutamente íntegro, modelo de tranqüilidade, de moderação, de paz mesmo. Tudo isso só nos faz olhá-lo como aquilo que ele era e ele é: um ícone, uma pessoa que a gente deve não apenas lembrar, mas realmente venerar".


Responsabilidade Social da Propaganda
Em nosso país, a preocupação atual das empresas para com a responsabilidade social tornou-se uma verdadeira febre. Não há empresa, nos dias de hoje, que não procure, de uma forma ou outra, desenvolver algum tipo de ação de cunho social, de interesse comunitário. As Agências de Publicidade mais conscientes não estão imunes a esse fenômeno.

Em 1971, aos 57 anos de idade e após brevíssima passagem pela Norton Publicidade Castelo fundou a sua própria agência, CBBA - Castelo Branco, Borges e Associados, juntamente com alguns companheiros de Thompson: Dirceu Borges, Hilda Ulbrich Shutzer, Geri Garcia, Roberto Palmari e Wanderley Saldiva.

Tudo indica que foi na CBBA que ele pôde exercitar com mais liberdade o seu lado idealista que, naqueles anos, não se chamava Responsabilidade Social da Propaganda. Subentende-se que a JWT, essencialmente em função de sua natureza de empresa multinacional, não oferecia o espaço mais adequado para campanhas de cunho social, humanitário ou de interesse estratégico do País. Entretanto, não se pode omitir que na década de 60, a JWT, sob a inspiração e apoio de RCB, criou, voluntariamente, por exemplo, anúncios para o Exército da Salvação.

Foi, portanto, no período de 1971 a 1982 que RCB, sob a chancela de sua CBBA, 100% brasileira, engajou-se ativamente em várias campanhas de cunho social e de interesse nacional. Integrar para não entregar (Projeto Rondon) é uma delas. O aleitamento materno é outra idéia pioneira, e que se repete até hoje, de tempos em tempos. O engajamento da Publicidade em campanhas de interesse da comunidade e do País, ao lado de campanhas que expressavam sentimentos de brasilidade constitui, indubitavelmente, um dos principais legados de RCB.

Já a preocupação para com a Ética, inquestionavelmente o seu principal legado, emerge de forma clara a partir da declaração de princípios da CBBA, inspirada na postura profissional de RCB: "Do ponto de vista da filosofia empresarial, a CBBA considera a propaganda um legítimo instrumento de expansão comercial, da promoção do consumo e dos objetivos de lucro, dentro dos conceitos de economia de mercado. Mas tem, ao mesmo tempo, precisa consciência da responsabilidade social da propaganda, que deve ser verdadeira no fundo e na forma. Deve respeitar a comunidade e o indivíduo. E precisa estar em consonância com os objetivos de desenvolvimento econômico, social e cultural do país".


Conflito Ideológico
Como muitos profissionais de sua geração e de gerações posteriores, RCB também viveu o conflito ideológico de como conciliar o seu lado moral e seu lado de profissional da Publicidade, freqüentemente acusada de estimular desejos de consumo que não podem ser satisfeitos pela maioria da população. É notável que RCB tenha sido um dos primeiros profissionais brasileiros a elaborar, com clareza, a teoria de que a Publicidade é uma força indispensável na economia de mercado e que, segundo suas palavras, faz girar a eterna cadeia: ela cria consumo, que cria produção, que cria empregos, que cria riqueza, que cria consumo. E ele complementava, dizendo que a Publicidade é apenas um instrumento de comunicação que pode ser utilizado para promover ou para inibir o consumo, como é o caso de campanhas comunitárias visando a economia de gasolina, de água, de eletricidade, contra as drogas, entre outras. Essa visão da Publicidade é parte importante do legado de RCB.


Ética e Eficácia têm que andar juntos
Trata-se de um fato notório, sempre destacado por várias gerações de profissionais que por lá passaram, o comportamento ético da JW Thompson. Foi na JWT, onde permaneceu praticamente 30 anos, que RCB recebeu e praticou lições de comportamento profissional e empresarial ético. Seu mestre nesse sentido, segundo seu próprio depoimento, foi o norte-americano Robert F. Merrick, que presidiu a JWT brasileira durante 20 anos e que escolheu Renato Castelo Branco para sucedê-lo, em 1961. A JWT, por exemplo, foi a primeira Agência no Brasil a praticar a política de "Open Books" -sua contabilidade sempre esteve aberta, a qualquer momento, para ser auditada pelos Clientes.

A JWT entendia que a razão de seu sucesso era, acima de tudo, o sucesso de seus Clientes, medido pelos resultados e não pelo brilho fácil e purpurina, evidenciados muitas vezes pelos prêmios publicitários conquistados.

Renato Castelo Branço nos legou a Dignidade da Profissão de Publicitário, colocando-a num patamar elevado. Ele nos ensinou que a Publicidade é, inegavelmente, "business", mas que ela não pode se eximir da Responsabilidade Social que lhe é inerente.

Em suma, Renato Castelo Branco foi um Publicitário de Idéias e Ideais que sempre acreditou em compromissos sociais, em valores superiores e no postulado de que ética e eficácia têm que andar juntas. Pode-se afirmar que ele foi, portanto, "Bigger than Life", uma figura carismática, personalidade magnética, talhada para o bronze.

Um agradecimento especial a ESPM que encampou a idéia de homenagear Renato Castelo Branco pelos 90 anos de seu nascimento como anfitriã da Semana de Responsabilidade Social da Publicidade Renato Castelo Branco - www.espm.br/semanacastelobranco.

Manifestamos também o desejo de que esse tipo de resgate e preservação de memória seja estendido a outros nomes dos chamados "Founding Fathers" da Publicidade Brasileira, inaugurando uma nova tradição na ESPM.

Francisco Socorro
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Publicado originalmente no site da Escola Superior de Propaganda e Marketing