O Largo do Machado
Em: 01/06/2013, às 20H04
[José Ribamar Garcia - especial para Entretextos]
O Largo do Machado perdeu seu fascínio. Conheci quando ainda era local de meditação, de refúgio da nostalgia, de encontro dos enamorados e berço de paixões - moderadas ou avassaladoras.
Virou mero ponto de passagem. Dos usuários do metrô e dos coletivos. Da dona de casa, carregando sacolas de papel ou de plástico com a marca do supermercado. Do velho de movimentos lentos, semblante abatido, apático, na direção da agência bancária próxima, em busca dos proventos da aposentadoria. Claro que ainda são vistos alguns idosos, no morrer da tarde, em torno de mesinhas de concreto, jogando cartas ou dominós, mas sem vibração. Parece até que estão ali, apenas, aguardando o final de um prenunciado enredo que se avizinha, tal qual um boi à espera do cutelo.
Passantes apressados. Outros, tranquilos, sem relógio. Todos indiferentes ao redor. E ao redor: o vazio, a ausência de cordialidade. O vento do sudoeste soprou para distante aquele clima de euforia dos alunos do Amaro Cavalcanti. Colégio fundado, a pedido de D. Pedro II. Quiseram agradar o imperador com sua estátua, em tamanho natural, no local. Ele agradeceu, preferia uma escola. Foi atendido. E surgiu o prédio de estilo neoclássico eclético, construído em l874. Também desapareceu aquela alegria contagiante dos jovens moradores dos edifícios circundantes, que meu amigo Marco Versiani os reunia, nas manhãs de domingos, para improvisadas partidas de vôlei. Moças bonitas; rapazes sadios. Encaravam o mundo sem medo, sem preconceito e davam ao ambiente uma coloração especial. Freqüentadores do cine São Luiz, instalado num sobrado, no outro lado da rua. Das palmeiras imperiais, poucas sobreviveram. As que conseguiram, mantêm-se escondidas entre os abricós de macaco e as figueiras italianas. De uma delas testemunhei o tombo. O estrondo ressoou pela madrugada e espantou o sono da vizinhança, inclusive o da menina, por quem saltava meu coração. Mas, ela ignorava esses saltos. Tempo das paixões de mão única, que abafavam o peito, abatiam o fôlego, fragilizavam o coração – e que levou tempo para se desentortar. A palmeira ficava diante do número oito. Eu morava no oitavo andar, num apartamento de frente, e ela no de cima. O barulho a fez correr à janela. E da minha, com o pescoço meio inclinado, apreciava seu perfil na penumbra. A simples visão me atiçava a adrenalina.
Da janela eu avistava o prédio dos Correios, onde, semanalmente, postava uma carta para minha Mãe. Correspondência que perdurou até a fase adulta, quando ela veio embora para o Rio de Janeiro. A carta levava uma semana para chegar a Teresina. Estranho, passados mais de cinqüenta anos, e a demora continua a mesma. O que fizeram com os Correios? Eram cartas simples, nas quais o filho procurava disfarçar a saudade e a solidão com mensagens animadoras, para não preocupar sua heroína. Que estava bem, estudando... E elencava as notas obtidas em cada disciplina. A Mãe jamais lhe havia cobrado algo nesse sentido. Mas, por isso mesmo a justificativa.
Largo do Machado, caminho de passagem, divisor dos bairros do Catete, Flamengo e Laranjeiras. Vai vencendo o tempo, sem encanto.
* José Ribamar Garcia é romancista, contista, advogado e membro da Academia Piauiense de Letras.