O homem e a sua latinha de cerveja

[Chagas Botelho] 

O homem toma sua cerveja no remanso da pracinha. Naquele território, ele é uma figura rotineira. Não quer guerra com ninguém. Não tem a cabeça vazia, pelo contrário, pensa bastante enquanto degusta sua bebida. No mesmo perímetro, os veículos chocalham o asfalto no pico do meio dia, porém, ele continua impassível.

De longe, admiro seu jeito imperturbável perante uma massa inquieta. Sua placidez de monge tibetano é silenciosa e contemplativa. Como disse, ele não quer se meter em querelas idiotas e nem em gritos discordantes. Quando está naquele banco de praça, imerso, se esquece do relógio - da ampulheta que mensura a terrível lei do tempo.

Claro, o mundo já é uma tormenta, um globo turbulento. Repleto de temáticas indefectíveis. O homem com a latinha de cerveja do lado permanece alheio até os ossos. Repito: ele não quer rodas de conversas roucas. Não cabe bater boca com ninguém. Prefere mergulhar no terreno pantanoso de sua solidão, diga-se, opcional. Se estivesse acompanhado de tagarelas, é de se supor que não teria a mesma concepção da vida. Ou, quem sabe, não captaria os detalhes edificantes do cotidiano.

Pode ser que pense desta forma, depois de ingerir uns goles demasiados de cerveja. E seja envolvido pela franqueza que o álcool produz. É, pode ser que seja isso.

Refestelado à sombra das árvores rasteiras, o homem dos fins de semana bebe sozinho. Agora, por exemplo, olha para o que lhe rodeia um tanto desinteressado. Sua causa maior é ele próprio. É pela sua interioridade que demonstra interesse. Pelo ser inefável que é.

Esse homem está apaixonado pela ilha de um habitante só. Dela, quer desfrutar de paz e sossego. Imagina que, ensimesmar-se, reservar-se e ficar longe de tudo e de todos, em meio à multidão, ao mundo cão, não seja seu exílio terminal. E sim, o prelúdio de encontrar-se. Mais uma golada, e a máxima lhe vem à tona: silenciar não é crime, muito menos, isolar-se.