O habitat natural das pessoas

[Maria do Rosário Pedreira]

Conheci Miguel Jesus por ter sido finalista do Prémio LeYa, com o seu romance Lugar para Dois, um belíssimo livro sobre vidas viradas do avesso (para o bem e para o mal) em Moçambique. E ele agora presenteia-nos com Os Flamingos também Sonham, desta vez passado em Dunlochry, uma pacata vila escocesa que precisa urgentemente de se modernizar e não tem recursos. Eis senão quando corre a notícia de que dois (dois!) boletins com um jackpot foram registados justamente na vila; e o acontecimento atrai os jornalistas das grandes cadeias de TV mas os dias passam e ninguém aparece para reclamar o prémio. Só Dylan – um irlandês esmagado pela imagem opressora do pai e dono do estabelecimento que vendeu a sorte grande – sabe quem ganhou, mas não o pode dizer a ninguém, nem à repórter por quem entretanto se apaixonou. Porém, à medida que a ansiedade dos habitantes se vai transformando em violência e pressão, a coisa azeda e Dylan fica sozinho, já que Elizabeth, farta de estar sem notícias, quer regressar ao seu habitat natural, Londres. Mas Londres é uma cidade de que Dylan não quer falar... Os Flamingos também Sonham fala de lugares que nos marcam e daqueles de que nunca conseguimos sair, por mais que tentemos. E também daqueles aonde não queremos voltar nunca mais. (Este romance, como os anteriores do autor, que é igualmente músico, inclui códigos que podem ser lidos por uma aplicação no telemóvel e revelar aquilo a que podemos chamar uma banda sonora.)