Igreja matriz de N. Sra. da Conceição Aparecida, em Bertolínia.
Igreja matriz de N. Sra. da Conceição Aparecida, em Bertolínia.

                                                                                      Reginaldo Miranda*

No plano educacional até meados da década de sessenta o interior do Piauí mergulhava na mais profunda escuridão, existindo apenas escolas de ensino primário nas poucas sedes municipais e cursos de alfabetização inicial em alguns povoados de maior porte.

Foi por essa época, que não sem coincidência expande-se o número de sedes municipais no Piauí, com a emancipação de novos povoados, que tem início a instalação de alguns cursos ginasiais no interior do Piauí, luxo até então existente apenas nos centros regionais de maior porte, a exemplo de Parnaíba, Campo Maior, Piripiri, Floriano, Oeiras, Picos e alguns outros. Mas não foi fruto de ação governamental, tendo resultado aqueles cursos pioneiros da ação de denodados lutadores, na esteira do trabalho do professor Felipe Thiago Gomes, emérito brasileiro, criador da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade(CNEC). Esse grande brasileiro merece todos os encômios e louvores.

A cidade de Bertolínia entrou atrasada nessa corrida pela criação do curso ginasial. Até então poucos jovens, com enormes sacrifícios para os pais, deixavam a cidadezinha muito cedo para prosseguirem nos estudos em terra alheia e a maioria se conformava apenas com o ensino primário.  Somente em princípio do ano de 1974, é que prospera na comunidade o desejo de implantar o ensino ginasial, levantando-se em campanha algumas senhoras da sociedade local. Foram idealizadoras e primeiras executoras dessa campanha as senhoras Eunice de Miranda e Silva, Raimunda Martins da Rocha, servidoras públicas municipais e a professora jerumenhense ali radicada, Adelaide Carreiro Benvindo de Amorim, casada com um servidor da Secretaria de Fazenda. As primeiras, depois se tornariam alunas da primeira turma do curso e a última foi professora de algumas disciplinas. O juiz de direito da comarca, Dr. Matias Ribeiro de Sá, depois desembargador de nosso Tribunal de Justiça, prestou imprescindível apoio e ali lecionou nos anos iniciais, a título de colaboração, a disciplina de português e literatura. Mas a grande liderança que despontou na campanha pela implementação do curso foi o jovem médico cearense de Ipueiras, Amédio Baia de Oliveira, que formara-se pela Universidade Federal do Piauí e acabara de chegar à cidade trabalhando para o Estado, sendo o primeiro médico ali radicado. A convite daquelas senhoras, o Dr. Amédio abraçou a causa e tornou-se a alma dessa campanha, liderando a comunidade nesse propósito e contando com o firme e decidido apoio de toda a sociedade local, em cuja campanha se integraram outras senhoras e diversos jovens cujos nomes constam nas listas de alunos e sócios iniciais, fazendo festas, bingos, rifas na comunidade e, inclusive, promovendo campanhas de arrecadação de verbas nas cidades vizinhas, a exemplo de Guadalupe, Uruçuí, Jerumenha, Landri Sales e outras. Muitos se inscreveram como sócios beneméritos, pagando pequena contribuição mensal, o que também ocorreu com os futuros alunos. Foi, de fato, um movimento que sacudiu a comunidade. No plano estadual foi importante o apoio do deputado Sebastião Leal, que representava a região no parlamento estadual.

A aula inaugural foi proferida pelo professor Valmir Cruz, presidente estadual da CNEC, em eloquente discurso que versou sobre a importância da educação, no adro da igreja local para um atento público, em 1.º de junho de 1974. E assim tiveram início as aulas da Unidade Escolar Cnecista Nossa Senhora Aparecida, assim batizada por sugestão do referido médico, que também a título de colaboração fez-se professor de biologia e sua jovem e distinta esposa Maria Vilauba Caracas de Castro Oliveira, também cearense (de Parambu), com quem casara por aqueles dias, fora professora de inglês. Outros professores da comunidade, alguns improvisados, assumiram outras disciplinas, às vezes com alguma deficiência, mas valendo a boa-vontade.

O ginásio funcionou sempre no período noturno e ocupando por muitos anos o prédio da Unidade Escolar Bertolino Rocha, do Estado, que tinha apenas o ensino primário e no período diurno. Somente depois de muitos anos teve o seu prédio próprio atendendo a outras vitoriosas campanhas comunitárias. Foi, de fato, uma grande vitória da comunidade.

De fato, o ginásio cnecista cumpriu importante papel no seio da comunidade bertolinense, pois somente em 22 de abril de 1990, foi inaugurado o primeiro curso ginasial do Estado, na Unidade Escolar “Florisa Silva”. Esse curso estadual seria seguido de mais três, inclusive um de ensino supletivo, todos os quatro gratuitos e patrocinados pelo Estado. Mesmo assim, o pioneiro ginásio cnecista ainda funcionou e em prédio próprio até dezembro de 1994, quando já com alguns problemas trabalhistas e atendendo a uma nova política da CNEC, de redução de escolas em face da expansão do ensino estadual, fechou as portas no final daquele ano letivo. O mesmo ocorreu com outras escolas cnecistas em outras cidades interioranas. Mas cumpriu o seu importante e pioneiro papel de levar o ensino ginasial onde o Estado ainda não ousava chegar. A fundação e manutenção por vinte anos da Unidade Escolar Nossa Senhora Aparecida representa uma grande vitória da comunidade local em busca do conhecimento, razão dessa lembrança. O autor dessas notas, então jovem advogado com militância naquela região, foi vice-presidente(1989 – 1992) e o último presidente do setor local da CNEC(1992 – 1994), tendo assumido para resolver as pendências e conduzir a escola em seus últimos dias, tudo tendo ocorrido a contento. Ficam essas notas para registro de um importante capítulo da moderna história bertolinense.   

(Diário do Povo, 10.8.2015).

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* REGINALDO MIRANDA é advogado, escritor e ex-Presidente da  Academia Piauiense de Letras.