O gato e o rato
Em: 09/12/2014, às 07H42
[Gilberto de Abreu Sodré Carvalho]
O título sugere a luta entre um animal maior, o gato, e outro mínimo, o rato. Foram os autores William Hanna e Joseph Barbera que, há várias dezenas de anos, nos seus desenhos animados, levaram-nos à concepção lúdica da crudelíssima disputa entre o caçador e o caçado. Penso que essa imagem da “literatura cinematográfica” serve para a descrição menos sofrida do mundo do consumo na contemporaneidade brasileira.
Hoje, de um lado, temos Tom, como a força e a ação dos fornecedores de produtos e serviços, desde imóveis para lojas e residências, e mais artigos variadíssimos para uso e para consumo. O elemento perseguido, o Jerry, somos todos nós. Temos de agir com paciência, redobrada lucidez e agilidade para fugirmos da compra do que não nos interessa. Se fossemos fazer o que Tom nos quer impor, estaríamos endividados em mil vezes as possibilidades.
A luta de Jerry para fugir de Tom é terrível. A ameaça e a correria consequente começam ao lermos os jornais e sermos assustados pela publicidade de tudo que se possa imaginar, de cotonetes a aviões, seja isso feito por matéria paga, ou pelas notícias que nos induzem ao desejo, mais que tudo as páginas de ‘socialites’, de turismo, de cultura e de lazer. Ao ligarmos a televisão, ou abrirmos qualquer site na Internet, vemos o mesmo: o onipresente Tom a nos querer abocanhar. Pulamos daqui para lá; escapulimos acompanhando o ritmo febril das cenas e o frenesi das suas estonteantes trilhas sonoras.
Logo que vamos para a rua, o gato das mil faces nos ataca com os encartes e santinhos de oferta de tudo, que nos são passados por braços esticados à nossa procura, Nos trens, nos vagões do Metrô, ocorre coisa semelhante; desta feita, além dos ambulantes, há as propagandas nas paredes. Por cá, em São Paulo, a ausência de “outdoors” nas ruas finge que somos mais civilizados. Mas só finge.
Ao eu chegar a casa, depois do trabalho, o telefone toca. Não é parente ou amigo, é alguém vendendo plano de celular, empréstimos, ou é gravação de político a agradecer o meu possível voto e a contar comigo em novas batalhas “cívicas”.
Isso é São Paulo, onde vivo.
E o Governo ou os governos federal, estadual e municipal? Eles, leitor, são manifestações caricatas do velho Tom. Eles não me protegem dos excessos e mentiras das propagandas nem me prestam serviços públicos de qualidade, nas áreas que importam. Os governos, no que fazem diretamente, mostram sobrepreço e corrupção embutidos; isso, depois de nos venderem lealdade e maravilhas nas campanhas eleitorais que nos impõem à força e à nossa paga.