O fogo da labareda da serpente
Em: 24/11/2009, às 12H10
(Na foto, jacarés nos fundos de um Supermercado em Manaus. Note o lixo em sacos plásticos).
Para explicitar o poder dos Numas/Numes enquanto tribo não-nomeada - geográfica e literariamente -, nesta narrativa ficcional de múltiplos sentidos, será lícito interagir com o texto-criador, propriamente dito, paralelamente às obras filosóficas de Gaston Bachelard, Michel Foucault e outros pensadores da pós-modernidade. Portanto, por ora, dialogando com alguns parágrafos bachelardianos, nos quais o filósofo analisa/interpreta as obras de Edgard Alan Poe e Paul Claudel, por minha parte, posso assegurar que a substância privilegiada, em O Amante das Amazonas, como não poderia deixar de ser, é igualmente a água. A água, no privilegiado imaginário-em-aberto rogeliano também se superlativiza, porque, assim como nos escritos de Poe e Claudel, o que se encontra oculto nela é o lar secreto, aquático, da vivência interativa. Se para Bachelard a língua de um grande poeta [de um grande ficcionista] tem uma hierarquia, é justamente graças a essa hierarquia sui generis que os Numas ficcionais apresentam uma força excepcional. Os Numas são Numes (míticos seres alados) e provêem da “incerteza” e “não-saber” históricos e lendários, “herméticos, multiplicados e fortes”. Afirmou/afirma o narrador do final do século XX: “Os Numas se submetiam a si mesmos, refugiaram-se em si”, “na multiplicidade de seus pontos de força”, “no imprevisível espaço”, em outras palavras, não se revelaram socialmente e historicamente.
“Estão, a princípio, em toda parte, na exterioridade do poder do Seringal, na rede florestal de fora da dominação”. Dominação de quem? De Pierre Bataillon? Ou de umas poucas narrativas substanciais dogmáticas, paraliterárias, que dominaram o século XX?
Os Numas estão reduplicados a partir de um determinado imaginário incomum, entrópico, estão “na rede florestal” do narrador pós-moderno (aquele que “bem vê/(viu)” e narra/(narrou) a realidade estilhaçada do caótico século anterior), “fora da dominação” sócio-substancial, daquela anterior e horizontal forma/regência da técnica do “bem narrar”. O “seringal” das normas ficcionais, neste trecho sui generis, está cercado pela “expansão desmesurada” dos Numas/Numes, os quais serão decodificados (se, no futuro intelectualizado, os analistas/intérpretes assim o quiserem) a partir do simulacro do “bem narrar” à moda tradicional, mas indiscutivelmente alicerçado pelo ato de “bem ver” e “bem repensar” a transitória realidade do século XX e início do século XXI (naturalmente, no futuro, por intermédio de novas críticas literárias, respaldadas por novíssimos juízos substanciais). Os Numas insistindo em ser, porque o espaço recôndito, singular, no momento, está ativamente duplicado (reduplicado, triplicado) pelos igarapés singelos e/ou pelas águas volumosas dos caudalosos rios amazonenses, e esses Numas/Numes, enquanto divindades aquáticas e/ou aéreas (“freqüentemente se assemelhavam às árvores e aos pássaros do céu”), especialmente, fazem parte da casa primordial do narrador da pós-modernidade: a Grande Floresta. O Amazonas em sua grandeza geográfica e a mítica Floresta (árvores e pássaros) serão sempre o lar primordial deste incomum narrador. Para ele, não importa que as lembranças dessa casa nem sempre sejam boas. O que o atinge criativamente é que por ali existe um Igarapé do Inferno a poluir a parte exterior “do poder do Seringal”, aquele espaço privilegiado e incomum de seu “verbo original”. Dar vida mítico-ficcional aos Numas/Numes é uma “nova experiência onírica”, “imensurável”, para o seu narrador-personagem Ribamar de Sousa.