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Se nada, ao longo desta fase da narrativa rogeliana, poderá ser interpretado como “absoluto”, começo eu, a intérprete teórico-reflexiva destas páginas não-absolutas, a refletir fenomenologicamente o fato de que a cena do rio onde nadam as duas indiazinhas Numas poderá ser interpretada, sublinearmente, partindo-se do princípio lendário de que os Numas eram/são seres mitológicos e aéreos (aparições voláteis), por conseguinte, passíveis de tomarem a forma conceitual que quiserem, mesmo que seja em matéria teórico-crítica não-absoluta. As divindades míticas, desde o princípio de suas modelações conceituais, lá pelos idos da pré-fase do conhecimento humano, apresentaram formas incomuns (humanas, animalescas, imaginárias, etc.), inclusive, formas andróginas (mítico/cristão). Então, ainda apoiando-me na afirmação ficcional, penso que o olhar do narrador-personagem Ribamar de Sousa, naquele momento, estava ativado pela aparição mental (volátil) do mito das gregas amazonas guerreiras, belas, sensuais e andróginas, ou seja, possuidoras das características dos dois sexos. Seria possível então um engano, quanto a incomum sexualidade das duas indiazinhas? São elas, diz o narrador, “duas índias Numas, inconfundivelmente Numas”.

Sim. São inconfundivelmente Numas e oriundas do mito das amazonas guerreiras, andróginas e espontaneamente sensuais. 

Como, ao longo do romance, “nada é absoluto”, a minha apreciação reflexiva poderá também não possuir um valor absoluto, uma vez que se sedimenta a partir de argumentações e questionamentos que poderão ser reputados depreciativamente por outros estudiosos-críticos de orientação explicitamente formalista. No entanto, desenvolvendo meu parecer crítico-reflexivo a começar das próprias afirmações ficcionais esclarecedoras ou sublineares, submeto-me ao risco de uma desconexa contra-afirmação metodológica.

Repenso, por conseqüência do anteriormente refletido, e por induções lendário-esotéricas e/ou analítico-fenomenológicas, aquela reservada conotação ficcional da citação anterior: “Pássaros de bico largo e penas coloridas”. Não é o bico um referente sexual masculino, se for pensado pelo ponto de vista da psicocrítica literária? Não seriam, portanto, as indomáveis (aéreas, invisíveis) amazonas guerreiras a representação poético-ficcional dos índios amazonenses, conceituados, literariamente, como “pássaros de bico largo” (órgão sexual) e “penas coloridas” (vestimentas e adornos)?

Reavaliando, primeiramente, o nome amazonas, descobre-se que este origina-se do grego a-mazon (a-mazôn), cujo significado expressa a idéia de mulheres sem seios, míticas mulheres gregas, impávidas, masculinizadas, ignorantes quanto às politizadas leis da antiga Grécia. Reconsiderando, logo a seguir, o mito das audaciosas mulheres guerreiras da América do Sul (as quais, desde o início da colonização do Brasil, em seus três segmentos - portuguesa, espanhola e novamente portuguesa - foram detectadas, em diversos momentos temporais e em várias localidades da Amazônia brasileira, por viajantes-aventureiros, exploradores da fauna, da flora e dos metais preciosos da região), assinala-se a influência mítico-renascentista, via Portugal e Espanha, em relação à propagação do mito grego das mulheres guerreiras do norte do Brasil (influência agregada naturalmente ao arcabouço lendário das walkírias germânicas, também mulheres masculinizadas e aguerridas) em nossas plagas coloniais tupiniquins. Entretanto, por meio de outras informações, chega-se à reflexão de que as referidas mulheres eram possivelmente homens de longos cabelos e faces imberbes.