O FARFALHAR E O PLÓFT

     E também o correr de uma tijubina sobre as folhas secas, e, alguns minutos depois, o desfilar de um tiú, dois belos lagartos do nosso Nordeste. E ainda o esvoaçar de uma abelha a que se segue a rápida passagem de um cavalo de cão. E também o canto de uma choró, o do rei congo, o de nossa majestade sabiá e de mais alguns pássaros maviosos. Um pouco mais distante, uma plangente cantiga numa voz de mulher que trabalha.

     Vou escutando e vendo tudo isso, enquanto estou colhendo castanha de caju para vender em Altos. Não sou caçador. Não tenho disposição para entrar numa mata escura à noite(Nossa, que escuridão!) e muito menos para perseguir e matar animais indefesos(Nossa, que covardia!). Mas sou coletor. Nossos ancestrais foram caçadores e coletores há dois milhões de anos. É grande a diferença entre mim e eles. Todavia há semelhanças também. Eles colhiam frutos que eram comidos imediatamente, apanhando-os do chão e subindo em árvores para pegá-los. Eu colho castanhas para vender e para assar e comer algumas. Quando foi que eles descobriram que, assada e quebrada, a castanha contém uma deliciosa amêndoa?

     O vento dá, e as folhas farfalham, emitindo um som suave. Só não é mais suave porque, às vezes, um galho roça no outro, imitando um lamento que lembra sofrimento. O vento continua seu trabalho. Como já estou esperando, então vem o zrááásss...  Vem como se estivesse rasgando todas as folhas e galhos que encontra em sua trajetória. Chega ao chão, fazendo plóft. É mais um caju que cai.

     Lá do alpendre, deitada numa preguiçosa rede, minha garota, que não me ajuda neste meu trabalho de coletor, diz: “Traga caju pra mim, mas do chão, não! Tire com a vara  que tem a cestinha!” Ela pouco se assemelha às mulheres coletoras de dois milhões de anos atrás, que colhiam frutas e raízes e terminaram inventando a agricultura. Ela usa luvas para cavar a terra molhada com uma espátula e plantar as sementes de legumes que traz da cidade. Sua horta é uma beleza.

     Eu continuo meu trabalho de colher castanhas, rezando para que nenhum caju, ao cair, acerte minha cabeça. Vou refletido também que teríamos um mundo muito melhor hoje  se as semelhanças entre os humanos atuais e os de dois milhões de anos atrás fossem somente coisas pacíficas e positivas como colher frutas. Não passa de um sonho essa minha reflexão, pois a violência humana continua, só que agora mais sofisticada. Nossos ancestrais se matavam com pauladas e pedradas. Hoje a tecnologia dos drones e dos mísseis mata a milhares de quilômetros de distância.