O falar nordestino em crônicas
Em: 24/06/2009, às 18H25
ENTREVISTADO:
Gustavo ArrudaHá alguns anos, o escritor Gustavo Arruda coleciona pérolas do falar nordestino. O resultado de suas pesquisas está no livro Deu com a pleura! Matutices da cidade (www.deucomapleura.com.br). e pode ser conferido em entrevista concedida ao editor de Entretextos Dílson Lages Monteiro.
Dílson Lages - Qual tipo de contribuição o senhor acredita que o livro “DEU COM A PLEURA! Matutices da cidade”, recém-lançado, é capaz de fornecer á cultura nordestina?
Gustavo Arruda - O livro contribui no registro, valorização, divulgação e preservação da cultura nordestina, já tão rica (haja vista sua poesia, escultura, pintura, literatura, etc). Além de tentar desmistificar a noção de que o povo do Nordeste fala errado ou é ignorante. A sua natureza dócil, honesta e até ingênua cultivaram essa mítica, mas, na verdade, o nordestino é inteligente, esperto, valente, irônico, criativo e possui uma cultura própria, como procuro mostrar em “DEU COM A PLEURA!”.
Dílson Lages - A metalinguagem vale mais do que os relatos, ou ela vale tanto quanto eles?
Gustavo Arruda - O conteúdo foi a mensagem que pretendi transmitir no livro: uma crítica social aos costumes modernos. A metalinguagem regionalista nordestina foi utilizada como uma “forma” para facilitar essa sátira, pois potencializa o contraste entre um modo de viver sofisticado e a visão simplista do mundo. Mas um sem o outro não funciona.
Dílson Lages - A linguagem se constitui de fato no “grande personagem” do livro. Sob que aspecto isso se mostra como o mérito principal do livro?
Gustavo Arruda - Num país continental como o Brasil, compatriotas de diferentes regiões muitas vezes têm dificuldade em se entender devido à grande diferença de termos e sotaques regionais existentes. Acho que o grande crédito do livro em relação à linguagem utilizada é tentar explicar os termos utilizados pelo povo da maior região (em área e em número de estados) do País, o Nordeste, reduzindo um pouco esse ruído na comunicação nacional.
Dílson Lages - Há nessas crônicas intenção do autor em valorizar a oralidade?
Gustavo Arruda - Sim. Na verdade o povo é o autor do livro, pois eu apenas escrevi como o nordestino fala. Tive só que exagerar na quantidade de termos regionais utilizados, como explico na apresentação do livro, para enriquecer a obra com glossários explicativos das origens e significados desses termos, ao final de cada crônica. Acredito que, como a oralidade acaba servindo de guia para as transformações lingüísticas, não pode ser desmerecidas.
Dílson Lages - O que diz o livro sobre os valores e costumes do nordestinos?
Gustavo Arruda - Por falta de políticas de investimentos públicos, o Nordeste do Brasil passou da maior colônia européia exportadora de açúcar do mundo para a região mais carente de um País de terceiro mundo. Mas, como o Brasil começou pelo Nordeste, a região se aculturou por mais tempo - misturando as tradições indígenas, negras e as influências européias -, o que resultou numa cultura popular regional tão rica como autenticamente brasileira. O jeito que essa gente fala e os termos que utiliza hoje, assim como seus valores e costumes, registrados em “DEU COM A PLEURA!”, refletem história e trajetória. No nordeste, no interior dos estados das outras regiões e mesmo na periferia das maiores capitais ainda encontramos um jeito de viver “diferente” do moderno, por ser tradicional (antigo). Convivem numa mesma metrópole o executivo Vip (que se isola em seu apartamento inteligente, conecta-se à banda larga wire less para acompanhar a transmissão do jogo no site 3G) e o suburbano (que fica na calçada de casa, com um radinho de pilha na mão, assistindo ao mesmo jogo enquanto conversar com o vizinho). A moral da história do livro é a a reflexão de que até que ponto a tecnologia e o modo de vida modernos são uma melhor opção de qualidade de vida.
Dílson Lages - São 29 crônicas de humor popular, divididas em 7 capítulos, e mais de 600 expressões regionais traduzidas em glossários. O livro está organizado com o propósito de despertar a reflexão sobre o sentido de determinados vocábulos, mas o autor o faz pelo viés do humor. Por que preferiu seguir esse caminho?
Gustavo Arruda - Acho que a vida não precisa ser encarada com a seriedade que costumamos ter no dia-a-dia. Dá perfeitamente para nos divertirmos enquanto trabalhamos, fechamos um grande negócio ou resolvermos um problema importante. Tudo depende da forma com a qual encaramos as coisas. Quem me conhece sabe que eu procuro ser assim. Não custa nada adicionar um pouco do açúcar do humor para transmitir uma mensagem que acreditamos ser útil às pessoas. E tentei ser original em minha obra, passando um pouco de alegria para as pessoas, já tão estressadas e aborrecidas.
Dílson Lages - O autor explica o sentido das palavras em amplo glossário ao fim do livro. Em quanto tempo esse glossário foi constituído e em que fontes o senhor se apoiou?
Gustavo Arruda - O livro levou cerca de um ano e meio para ficar pronto, contando com o tempo para as pesquisas etimológicas. Utilizei dicionários convencionais, dicionários regionalistas, a própria Internet e consultas a pessoas mais idosas ou que viveram em regiões distantes dos centros urbanos. Existiam expressões que não havia encontrado o significado em lugar algum, daí a minha preocupação em registrá-las no livro antes que desapareçam por completo.
Dílson Lages - É possível, em tempos de Internet e novas e renovadas tecnologias, acreditar na conservação de um léxico tão particular?
Gustavo Arruda - É tão possível acreditar na preservação quanto na extinção desses termos, na medida em que a Globalização tanto leva quanto traz modos de falar e costumes. O nordestinês, por exemplo, hoje está sendo muito mais falado do que no passado, nos termos regionalistas que são utilizados nas novelas e têm origens nordestinas. Em contrapartida, está acontecendo uma mistura tão grande entre as expressões regionais, que acaba resultando numa linguagem “transgênica” nacional. Mas, claro que a forma pura como cada região fala vai desaparecendo cada vez mais rapidamente.
Dílson Lages - Quem o senhor espera que leia DEU COM A PLEURA! matutices da cidade?
Gustavo Arruda - Não estranho quando pessoas mais eruditas torcem o nariz para o livro. Afinal, não foi para elas que escrevi. Mas, embora as situações sejam banais, a linguagem direta e a condução das histórias não tenha compromissos formais, não deixam de passar uma certa sociologia e filosofia de vida. É como se o leitor estivesse conversando com uma brasileiro comum dentro de um transporte coletivo, em uma cidade qualquer do País. “DEU COM A PLEURA” foi direcionado a princípio para estudantes, para nordestinos “despatriados”, para turistas que simpatizam com o Nordeste, para amantes da cultura nordestina e, principalmente, para o povo brasileiro. Mas isso não impediu de eu ter recebido elogios de pessoas mais intelectualizadas, com uma visão mais aberta da literatura, pessoas que entenderam perfeitamente o espírito da obra.