O discurso mítico é a oratória da “ordem”

NEUZA MACHADO

(FOTO DE ALBERTO CESAR ARAUJO)

O discurso mítico é a oratória da “ordem”, é a explanação (oral ou escrita) de fatos e seres grandiosos (humanos ou não), estruturalmente inseparáveis da tradição de um povo. Paxiúba possui a chave da verdade mítica de quem escreve, mas, quem terá de manuseá-la é o primeiro narrador (narrador do segundo), enquanto personagem principal das ocorrências narradas. Paxiúba possui o poder de mando, assim como os grandes guerreiros e personalidades notáveis do passado. E os legendários heróis do passado mítico (passado que se perde nas fendas do tempo, anterior aos severos dogmas do cristianismo) não conheceram a natureza íntima da bondade. A “ordem” dos olhos e o “sorriso sensual perverso” caracterizam a face reduplicada do personagem Paxiúba. O ser mítico é selvagem, primitivo. Possui o que Max Weber classificou como “poder do ontem eterno” ou “poder do carismático-guerreiro”. A “ordem” dos olhos é para que o narrador diga somente verdades (apreciáveis ou não), mesmo que o narrar mítico da pós-modernidade seja a edificação intelectual de uma narrativa em prosa, idealizada. A Floresta Amazônica, revista ficcionalmente pelo escritor nascido ali, em suas imediações, concentra a essência do mito de antigas eras, mas, aqui, insolitamente revestido pela roupagem do arcabouço mítico-lendário dos índios daquela localidade. A pureza mítica poderá ser classificada como a integridade vivencial do ser primitivo, aquele que não foi maculado por exigências ideológicas (sociais ou religiosas). O ser primitivo não conheceu (não conhece) o ônus do pecado cristão. Paxiúba não é cristão. É um ser original. Então, quem reconhece o “sorriso sensual e perverso, sublinhado por esboço de pecado” a fotografá-lo, é o narrador. A “ordem” mítica dos olhos de Paxiúba possui a pureza do primitivismo heróico. O bugre não sabe o que seja pecado, e não creio extratexto que Frei Lothar (um outro personagem importante) o tenha catequizado. Quem se percebe avaliando o “sorriso sensual e perverso” de Paxiúba é o narrador. Quem avalia o olhar do “pecado” o fotografando é o narrador, aquele que, historicamente, conhece os dogmas do cristianismo, no que tange a relacionamentos sexuais. As “baixezas” do olhar de Paxiúba saíram do “espelho” simbólico-ficcional duplicado e “sublimado” de quem narra, não da pureza primitiva do mito.