O Diário de Tolstói

 (diário, 2 de março de 1865)

 
“O que eu escrevo, eu reviso. Está tudo claro, mas a quantidade de trabalho à frente me assusta. É bom definir o trabalho que falta. Diante dos grandes obstáculos que ainda virão, você não precisa se deter demais e revisar os detalhes ad infinitum.”
 
(diário, 19 de março de 1865)
 
“Estou absorvido pela leitura da história de Napoleão e Alexandre. Numa nuvem de alegria e percepção da possibilidade de realizar um grande trabalho, fui pego pela ideia de escrever uma história psicológica de Napoleão e Alexandre. Toda intriga, loucura, contradições e pensamentos das pessoas ao redor deles e neles mesmos …Preciso escrever meu romance e também trabalhar nisso.”
 
(Tolstói se refere a uma história que escrevia ao mesmo tempo em que trabalhava em 1805, nome inicial de Guerra e paz)
 
(diário, 23 de março de 1865)
 
“Escrevo de noite, não muito, mas tudo bem, me sinto capaz. Todo o tempo surgem ideias sobre o que farei e insatisfação com o que já fiz. É preciso escrever todos os dias sem falta, não tanto para manter o ritmo do trabalho, mas para não perder o fio da meada e saber o que cortar.”
 
(carta para o escritor P. D. Boborykin, julho ou agosto de 1865)
 
“O objetivo do artista não é resolver uma questão irrefutavelmente, mas forçar as pessoas a gostar da vida em todas suas inumeráveis, inesgotáveis manifestações. Se me dissessem que eu poderia escrever um romance que estabelecesse quais as atitudes aparentemente corretas diante das questões sociais, eu não perderia nem duas horas de trabalho nele; mas se me dissessem que o que eu escrevesse seria lido daqui a vinte anos pelas crianças de hoje e que elas iriam chorar e sorrir com a leitura e se apaixonar pela vida, eu devotaria toda a minha vida e as minhas forças a isso”.
 
(carta para o médico A. E. Bers, novembro de 1865)
 
“Esse trabalho final de polimento é muito difícil e requer muito esforço. Mas eu sei, por experiência, que é um trabalho que tem seu próprio pico. E quando lutamos para atingir esse pico, não conseguimos parar e assim vamos até o fim, sem descanso. E agora que eu cheguei nesse pico, eu sei que vou acabar logo a terceira parte, fique ela boa ou ruim.”
 
(carta para o poeta e tradutor Afanasi Afanásievich Fet, novembro de 1866)
 
Gostei da sua opinião sobre um dos meus heróis, o príncipe Andrei, e aprendi uma lição com sua crítica. Ele é monótono, tedioso e meramente um homme comme Il faut em toda a primeira parte. É verdade, mas a culpa é minha, não dele. Minha intenção não é só descrever personagens, suas ações e encontros, mas também trabalhar o lado histórico. Isso complica bastante a tarefa, e eu acho que talvez eu não esteja conseguindo. Como eu estava preocupado com o aspecto histórico na primeira parte, o desenvolvimento de personagens ficou um tanto parado, não evoluiu. Essa é uma falha que eu compreendi depois de receber sua carta, e que eu espero corrigir.”
 
(carta para P. I. Bartenev, responsável por boa parte da primeira edição de Guerra e paz, agosto de 1867)
 
“Não consigo parar de escrever, cada vez mais rapidamente. Mas estou convencido que essa escrita veloz, mesmo cheia de garranchos, é benéfica. Não temo as contas do tipógrafo – o qual, eu espero, não encontre motivo para discussões sem importância. As partes de que você mais gostou seriam bem piores se eu não tivesse rabiscado cinco rascunhos de cada uma.”
 
(carta para P. I. Bartenev, dezembro de 1867)
 
No tomo 3 muito é dito sobre o imperador e o grão-duque. Há um trecho em que Napoleão diz para Balachov: “Bennigsen deve trazer lembranças terríveis para o imperador Alexandre”. Corte essa frase e outras similares se você considerar que são perigosas em termos da censura. Você tem carte blanche para cortar tudo que lhe pareça perigoso. Você sabe melhor que eu o que é possível e o que não é.”
 
(carta para P. I. Bartenev, dezembro de 1867)
 
“Agora que o trabalho está chegando ao fim, começo a temer que os censores ou os tipógrafos possam trazer-nos algum problema grave. Deposito em você minha esperança de que esses assuntos se resolvam.”
 
 

Seleção e tradução (do inglês): Daniel Benevides
O Diário de Tolstói será publicado em Novembro pela Cosac Naify