ELMAR CARVALHO

 

Estive conversando com o amigo Paulo Nunes de Almeida, nascido no Rio Grande do Sul, mas cuja ascendência paterna é de Barras. Foi ele meu colega no curso de Direito. Aposentou-se como agente da Polícia Federal e hoje é chefe de gabinete do secretário da Segurança Pública. Disse-me ele que fizera uma pequena boa ação há poucos dias. Uma senhora, já idosa, fora resolver um caso na secretaria, parece-me que relacionado com o fato de que ela, algumas filhas e uns netos morarem em local de alta periculosidade em Teresina.

 

O Paulo sensibilizou-se com o problema da velhinha e, tendo um bom coração, pediu-lhe que se inscrevesse em determinado programa governamental da habitação. Recomendou-lhe que o procurasse, após a inscrição. Uns quinze dias depois a senhora retornou, dizendo estar inscrita no programa habitacional que ele lhe indicara. O meu amigo imediatamente ligou para um dos superintendentes da prefeitura de Teresina, e pediu-lhe para receber a idosa. O gestor a recebeu e determinou que as assistentes sociais visitassem sua casa, para vistoria e elaboração do respectivo relatório. Como houvesse imóvel disponível num dos conjuntos residenciais do município, poucos dias depois a senhora adquiriu a sua casa.

 

Muito feliz com a aquisição, ela procurou o Paulo para lhe agradecer a consecução da residência. Enquanto ele atendia um telefonema, observou que a senhora começou a chorar copiosamente, quase a soluçar. Ele ficou preocupado, e lhe perguntou a razão do choro. A velhinha, com a voz embargada, respondeu-lhe:

- Estou chorando porque sou muito pobre, e nada tenho para lhe oferecer, nem mesmo uma simples lembrança...

O Paulo Nunes de Almeida sorriu, e brincou, tentando alegrar a anciã:

- É bom a senhora parar com esse choro, senão os jornalista vão pensar que eu estou é lhe torturando!

 

Esse fato me fez recordar um episódio que se passou com Landri Sales, sobre quem já escrevi um perfil biográfico. Era ele um administrador competente, sério, honrado, a quem o Piauí muito deve. Já naqueles idos, em que no Brasil fora implantado um governo autoritário, ele observava os princípios da moralidade e da eficiência. Talvez por isso mesmo uma pessoa do povo o abordou, e lhe disse que gostaria de lhe dar uma cesta de frutas, mas que soubera que ele não recebia presentes. Landri, então, lhe respondeu que de sua pessoa receberia o presente, pois quem dava uma cesta de frutas não estava querendo comprar ninguém. O bom Paulo bem poderia ter recebido algumas bananas, mas nem isso a velhinha tinha para ofertar. Mas Deus, que tudo enxerga e tudo perscruta, em sua Onisciência, haverá de lhe dar muito mais.

 

Meditando na exemplar gratidão da velhinha e no seu choro emocionado, declaro que tenho procurado ser grato a quem já me fez o bem, a quem teve gestos de bondade para comigo. Entretanto, devo dizer que já tenho recebido algumas ingratidões, de pessoas a quem ajudei e a quem prestei serviço. Faz alguns anos uma pessoa me disse, referindo-se a alguém a quem eu já fizera diversos favores:

- Elmar, Fulano parece que não gosta de ti, parece até que tem uma certa inveja...

Respondi de batepronto, monossilabicamente:

- Deve ser a maneira peculiar dele de demonstrar gratidão.

E encerrei esta parte da conversa.

 

Entretanto, devo dizer que quando presto algum favor nada espero em troca, exceto de Deus, que nos recompensa segundo nossos merecimentos. Até porque procuro seguir, humildemente, dentro de minhas limitações, a lição de Cristo: “quem de vocês quiser ser grande, deverá ser o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos.” Por outro lado, tenho encontrado pessoas a quem nada fiz, e que me têm uma atenção que me desvanece. E há, ainda, outros seres humanos, que nutrem uma gratidão muito maior do que o favor recebido, assim como existem as que “se intrigam” com a pessoa que lhes emprestou dinheiro, não sei se por ingratidão ou se por medo de eventual cobrança.

 

O que não é recomendável é deixarmos de fazer o bem, quando desejamos fazê-lo, por causa de possível ingratidão. Devemos lembrar do bem recebido, mas devemos, sempre que possível, e sempre é possível, esquecer o favor que fizermos. Agindo assim, nada sofreremos com possível ingratidão. O que não devemos, jamais, é seguir a lição de acendrado pessimismo do grande poeta Augusto dos Anjos, que talvez tenha sido um tanto egoísta, sentimento que se denota até no título de seu único livro – EU, escrito em letras vermelhas: “O beijo, amigo, é a véspera do escarro, / A mão que afaga é a mesma que apedreja.”

 

Dom Pedro II, que também versejava, após perder o trono e a majestade, como ele próprio disse, e amargar o desconforto do exílio, repudiando a ingratidão de que fora vítima, gemeu nestes versos tão pungentes: “Mas a dor que excrucia e que maltrata, / A dor cruel que o ânimo deplora, / Que fere o coração e pronto mata, / É ver na mão cuspir a extrema hora / A mesma boca aduladora e ingrata, / Que tantos beijos nela pôs – outrora.” Se seguíssemos radicalmente a lição do Divino Mestre, beijaríamos a face que nos escarrou, e afagaríamos a mão que nos apedrejou. Em suma: pagaríamos o mal com o bem.