O Brasil e o Intocável
Por Cunha e Silva Filho Em: 02/12/2012, às 07H00
Cunha e Silva Filho
Vasculham-se as vidas de profissionais e mesmo a vida pessoal dos indivíduos. Só um não pode ser vasculhado. Segredo de Estado. O melhor será o silêncio sobre ele e seus feitos ou malfeitos. Nosso homens são objeto de julgamentos, de CPIs, de investigações da Polícia Federal. Se há boatos sobre o Intocável, as medidas legais não são tomadas. Já alguém que conhece da ciência jurídica uma vez me falou que, se a Justiça não for provocada, nenhuma providência se toma contra certas pessoas do Estado Brasileiro, principalmente do Intocável.
Somos tão bisbilhoteiros, gostamos de fofocas, de conversas ao pé do ouvido, de conversas em off, mas intuímos algumas hipóteses que poderiam ser verdades e, com medo de represálias ou ameaças, até semelhando os tempos da deduragem do país sob o controle militar, preferimos aquele silêncio tão comum em algumas favelas ainda sob o domínio do tráfico ou das milícias. Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém ouviu.
O silêncio é regra de ouro dos indivíduos que formam a nossa sociedade. Há coisas que só podemos afirmar em público em certos lugares, numa conversa rápida com um desconhecido que nos conta e jura de pés juntos que o objeto da conversa é a verdade verdadeira. Fica aquela “verdade” apenas no nosso confessionário interior, ou seja, aquele que fazemos com nós mesmos, com a nossa consciência. Ainda bem que não inventaram até hoje a máquina de adivinhar (só talvez aparecendo nos filmes de ficção científica) o que nos vai no mais profundo de nossa alma. Só Deus Onipotente sabe o que vai no interior ou nos subterrâneos da alma do homem.
Por um lado, se a máquina pudesse registrar todos os nossos pensamentos, estaríamos perdidos e mal pagos. Só escapariam os santos, mas hoje em dia santo é avis rara. No entanto, todos sabemos e não podemos fazer nada, nós, pequenos mortais, que não habitamos as delícias do poder público.
Há áulicos por toda a parte, prontos a defender, com unhas e dentes, o Intocável. É engraçado, todos dizem às ocultas, mas ninguém quer a revelação da verdade lídima, do fato concreto, da revelação final e vexatória, se não espúria.
Será que o Intocável sabe o que alguns sabem sobre a sua vida na cristalinidade da verdade dura e crua? Não se peja, então, de que a voz de alguns está a par do que sejam os fatos que ninguém quer afirmar com todas as letras sem medo de ser feliz? O rei está nu, mas, não diferente da história de Andersen (1805-1875) sabe que está, porém todos (ou grande parte) sabem que está nu. Quer dizer, os dois extremos se omitem por cumplicidade ou medo. O mal é que não há uma criança ...
Da pobreza ao conforto houve lutas, sim, desesperos, gritaria, muito barulho, não o de Ferreira Gullar, mas os barulhos que se transformam em galinhas de ovos de ouro. O povo, a arraia miúda, pouco se importa com as verdades ou as mentiras palacianas. O povo quer é viver, quer é o lado dionisíaco da existência, não os resmungos dos conscientes e dos homens de bem, tão carentes em nosso país.
E, dessa maneira, o Intocável vai tocando os frutos e os ócios conseguidos e consolidados na vida presente e até mesmo estendendo-os a descendentes. Há uma certa analogia às avessas entre a prisão do personagem central Joseph K., de O Processo (1925) de Kafka (1883-1924), e a verdade oculta que os indivíduos de nossa pátria sabem. Dela têm conhecimento, mas nada podem fazer contra. Ficamos todos amarrados em nossos receios e em nossas rebeldias que não passam de indignações pessoais, grupais, ou coletivas e que não vicejam nem se materializam no nosso cotidiano.
Vivemos uma meia realidade e, depois, não me venham, afirmar que só no comunismo não se pode dizer as verdades e o nosso descontentamento sobre algumas figuras da vida nacional.
Nossas comportamento é mesmo burguês, individualista, sem um fio que una todos os brasileiros verdadeiramente patriotas. O nosso forte é falar da vida alheia pelas costas. Não passa disso. Somos abúlicos, preferimos manifestações encenadas e orquestradas de natureza carnavalesca. No entanto, quando o bem comum exigiria a participação de todos os nacionais, aí nos desintegramos como seres sem cumplicidade para as grandes causas do país. Só em poucas ocasiões da história brasileira, o país se viu mais unido. Somos um povo que aguenta tudo, menos a falta do carnaval, alta inflação, futebol, mulheres bonitas e supermercados vazios de produtos alimentícios. Lembram-se do tempo do cruzado da era Sarney? Suportamos impunidades, injustiças, falta de hospital, violência, enquanto tudo isso não nos atinge como um todo e de forma anárquica.
No plano político, votamos mal, escolhemos maus representantes do povo, votamos novamente em governantes velhacos e vamos levando a vida como se tudo estivesse no melhor dos mundos possíveis. Se o país teve ganhos na melhoria de grande parte de brasileiros, não queremos saber de como a engrenagem funcionou para chegar até esta posição mais confortável. O que importa para o homem comum brasileiro é o seu individualismo, seu egoísmo, ainda que um malabarista permaneça imune a algum julgamento público.
No país do futuro, ou no país do ontem sempre e continuado, vale a força da realeza em clave “democrática”, onde tudo é possível fazer, menos mudar as delícias pantagruélicas de um rei Intocável de fato e de direito.