Nacionalismo ou universalismo? Este é um dilema interessante para um escritor de ficção científica, porque o movimento instintivo de sua mente é de fora para dentro. Ele vê primeiro o planeta Terra e a humanidade por inteiro, e só depois leva em consideração as divisões políticas e geográficas, que ele sabe serem passageiras, mesmo que durem séculos.

    Diferentemente da maioria das pessoas, o aficionado da FC pensa primeiro no Universo e depois em si próprio. A disciplina mental imposta pelo estudo científico e pelas leituras de aventuras que não têm limite no Espaço e no Tempo ensinaram-lhe que ele pode até se considerar o Centro do Universo, mas só pode entender a si mesmo se vier matando a charada, ao mesmo tempo, da periferia rumo ao centro e do centro rumo à periferia. Enxergar a si mesmo e ao Universo, ao mesmo tempo, requer uma profundidade de foco que para algumas pessoas é fácil, para outras não é. O escritor argentino Ernesto Sábato tem uma frase magnífica sobre isto, embora algumas das minhas amigas a achem preconceituosa e machista. Disse Sábato: “Enquanto o mundo for mundo, vai existir um homem que se preocupa com o Universo enquanto sua casa pega fogo, e uma mulher que se preocupa com sua casa enquanto o Universo pega fogo”.

    Deixemos de lado essa diferenciação entre homens e mulheres, e convenhamos: existem de fato pessoas onde esse conflito de prioridades é muito visível. A prova mais óbvia disto é o recente relatório científico sobre o Aquecimento Global. Dezenas de governos nacionais, centenas de milhares de empresas e bilhões de indivíduos estão se lixando para o que vai acontecer ao mundo daqui a 50 ou 100 anos. Tudo que eles querem é alcançar seus objetivos, suprir suas necessidades a curto prazo. Preocupam-se com sua casa enquanto o Universo pega fogo. Agem como aquele português da piada, que viajava de avião com um amigo que lhe disse: “Ó Manuel, parece que o avião está caindo”. E ele retrucou: “Ora, Joaquim – não é meu, não é teu, então deixa cair!”

    Igualmente absurda é a atitude inversa, dos que não se preocupam com o que acontece em sua casa, desde que o Universo esteja passando bem. É o que ocorre com os governos, empresas e indivíduos que fazem o possível para (no jargão de hoje) “se inserir no processo de globalização”. Tal processo provoca surtos eventuais de prosperidade neste ou naquele continente, neste ou naquele país, de acordo com sua conveniência (embora o país ou o continente achem que aquilo está sendo feito para o seu bem). Já vi gente dizer: “Se o Brasil quebrar, do jeito que a Argentina quebrou há alguns anos, pra mim tanto faz – vou morar na Europa”. Quem pensa assim não está muito diferente dos portugueses da piada anterior. Poderíamos imaginar uma variante. Dois portugueses estão viajando em seu jatinho Legacy particular. O jatinho começa a pegar fogo, um deles se assusta e o outro diz: “Ora, deixa cair. Somos ricos. Amanhã a gente compra outro”.


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