Imagem: Internet
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[Chagas Botelho] 

Levanto na primeira raiada. Faço minhas abluções obrigatórias. Abro a geladeira em busca da massa de tapioca, mas o depósito está vazio. Procuro um cream-cracker, também não há. A dispensa está desabastecida. Assim, não acendo o fogão e nem ponho a água do café para ferver. Dispo-me da toalha envolta da cintura. Visto às pressas a roupa e desço em disparada rumo à padaria. Substituirei o beiju pelo popular pão francês.

Da esquina, vejo uma enorme fila. Ué? A padaria está aberta, porém, há pessoas à espera de não sei o quê. Descubro então que o padeiro se atrasara. E a fornalha inaugural do dia ainda não saíra. Posiciono-me no rabo da fileira. Uns oito sonolentos estão na minha frente. A atendente diz que logo os pães estarão prontos. Assados e quentinhos. Como o brasileiro gosta. Embora eu prefira tapioca quente e amanteigada. Diabos, não sabia que faltara em casa.

Dez. Vinte minutos e nada do padeiro dá o ar da graça. Nada de pão. Como perdeu a hora, deve ainda estar acendendo o forno. Os minutos voam. O trabalho na repartição não pode esperar. O patrão não suporta atrasos. Muito menos o ponto eletrônico. Não há o que fazer, a não ser ir trabalhar em jejum. Nem pensar. Sem ingerir o desjejum não me seguro em pé. O jeito é aguardar o desenrolar desse retardamento inesperado.

Alguém mais apressado e incomodado com a lentidão vocifera: “como é que é, esse pão sai ou não sai?”. Toda fila está indignada com a vagareza. A moça, coitada, com receio de uma represália maior tenta acalmar os ânimos: “gente, já já está saindo. É já já”. Nunca se viu tanta demora em assar uma massa. Neste caso, a culpa não é exatamente da massa, e sim do padeiro que vacilou na pontualidade. Agora, ali, todo mundo plantado, dependia dele. Era o profissional mais importante do momento.

Mesmo aflito com o correr dos ponteiros, me lembrei do Rubem Braga. O sabiá da crônica, em um de seus textos maravilhosos, escreveu que certa manhã, ao acordar procurou pelo seu pão costumeiro e não encontrou. Trouxe à memória a história de “um homem modesto que ao deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas para não incomodar os moradores, avisava gritando: não é ninguém, é o padeiro”. Já o nosso em questão, que dormira demais, é alguém cuja existência não se contesta.

De repente, eis que ele surge lá das entranhas da padaria. Carrega sobre o ombro uma cesta repleta de pão francês. É recebido com alívio pela fila de gente de todos os calibres. A mesma que o aguardava desde o branquear do horizonte. E que também é escrava do tempo. Pede desculpas pelo atraso. Elas são aceitas com resmungos e cada um vai embora com suas sacolas sortidas. Ao nosso personagem central lhe é dado o direito a um lugar ao sol. Tem-se a consciência da importância de seu ofício. O que não pode é desligar o despertador e deixar a clientela esperando.