[Bráulio Tavares]


Quem é Marc-Albert Santillo? Citando fatos decorados e repetindo interpretações alheias qualquer pessoa é capaz de conversar meia hora sobre a vida deste artista de vanguarda que durante a última década sobressaltou a vida cultural do Rio de Janeiro.  Fala-se que era neto de diplomata estrangeiro, e que, após a mudança da capital para Brasília sua família decidira continuar vivendo no Rio.  Marc-Albert queria ser artista, teve acesso aos melhores cursos e a professores particulares. Conquistou menções honrosas, e segundos e terceiros lugares em alguns Salões.  Isto o ajudou a conseguir a bolsa que lhe proporcionou doze anos entre Paris (onde preferia morar) e Londres (onde realizou seus trabalhos mais importantes).


 
De volta ao Rio, Santillo já tinha uma carreira estabelecida e uma obra: cartazes de cinema e teatro, capas de livros, algumas “graphic novels”, exposições individuais, projetos especiais – uma carreira de artista e de designer que seria igual a qualquer outra, se pelo menos as pessoas envolvidas já tivessem visto o artista. Porque ele não era uma pessoa. Era um nome, uma griffe, como Banksy ou como O Chacal. Perdera o contato com a família. Desde as primeiras entrevistas que deu, havia um grupo de pessoas respondendo às perguntas feitas ao artista.  “Qual de vocês é Santillo?”, perguntava sempre alguém. E eles: “Santillo é um de nós, mas na verdade é apenas uma idéia, um vetor, uma seta que aponta uma direção estética. Todos nós somos Santillo”.

 

Nas entrevistas, sentavam-se para responder, lado a lado, um jovem de barba rala e cabelos longos; outro rapaz, louro, de rosto quadrado e maneiras irrepreensíveis; um mulato envolto em roupas orientais e com expressão pétrea; uma mocinha magra, de óculos, postura agressiva; um rapaz gordo e com um raciocínio mais rápido do que aparentava; outro rapaz de rosto sardento, redondo, que falava com veemência. Havia outros, mas eram estes os que mais vezes apareciam nas ocasiões públicas, encarnando o espírito de Marc-Albert Santillo. “Ele não existe,” diziam; “é apenas um personagem que criamos, um artista cujas idéias inventamos em conjunto, e somos nós que escrevemos suas falas, produzimos suas obras”. Nas entrevistas, dependendo da pergunta, entreolhavam-se por alguns segundos, e então um deles se inclinava para o microfone e produzia uma resposta cabal, definitiva, arrasadora. Santillo era apenas um espírito criado e mediunizado por eles, e o mais impressionante era como sempre pousava em apenas um deles por vez. Algumas interpretações radicais chegavam a afirmar que o Santillo original morrera e havia sido fisicamente canibalizado pelo grupo.