O aroma do tempo na poesia de Carlos Alberto Gramoza

Vozes, águas, mãos e olhos são signos recorrentes. Capturam os sentidos para a contemplação da paisagem  do Médio Parnaíba piauiense, bem representada, de maneira universal.

Dílson Lages Monteiro

Escambo. Nessa prática antiga de trocas, sempre esteve presente um sentido de utilidade e de hedonismo. Para além de seu significado utilitário, “Escambo” é o título do novo livro de poemas do amarantino Carlos Alberto Gramoza, a quem a existência é palavra. Sua poesia, forma de nominar percepções. De estabelecer interlocuções. Dar-lhes conotação metafísica. Sublimar vozes silenciadas.

Nos poemas de Carlos Alberto Gramoza, o leitor é “atirado” à instropecção. A fazer pontes entre o tangível e o intangível. A ligar o interior ao exterior. Toda percepção, para a voz poética, nasce do psicologismo do inconsciente ou das representações da memória imaginativa, em seu turbilhão de angústia, que a poesia suplanta e acalma.

Vozes, águas, mãos e olhos são signos recorrentes. Capturam os sentidos para a contemplação da paisagem do Médio Parnaíba piauiense, bem representada, de maneira universal, pelas referências poéticas de pertencimento que representam o riacho Mulato e o rio Parnaíba. Capturam os sentidos para a sondagem da própria emoção, dando a eles, sentidos e sentimentos, a concretude para inserirem-se como condição ao ser e ao estar.

Em “Canto Vasqueiro”, página 34, o tilintar dos chocalhos do gado, confundido com o sino da igreja, é só ponto de partida para os ecos da memória enumerarem um conjunto de sons e “agoniações”, as suas reservas poéticas, e reconstruírem belamente a paisagem física e psíquica, em poema que se impõe como sombra e luz.

Ora, o horizonte transmuta-se na caatinga despelada ((...) nos ossos,/Estorricadas, horas antes lhe furava/ Toda, com violência o sol a pino/ Sombras do mato, e do tempo); ora, no verde das chuvas recém-chegadas (Tanto mais verde ainda as folhas/ E soltam os seus cheiros ativos de matos,/Frutas, flores, legumes, nuns ventos leves”).

“As agoniações estão em tudo”, diz a voz poética.  Na primeira parte do livro, vigora uma poética que é protesto, sem o tom panfletário, contra as indignidades ainda a ferirem os afrodescendentes. Por isso, Escambo é também uma ironia, grito de protesto, mas ainda uma nova condição humana, simbolizada poeticamente pela esperança de um farol.

Uma das tônicas mais agradáveis dos versos de Gramoza está na evocação da natureza. A exaltação da paisagem ou descrição líricas de fauna ou da flora desenham-se como ponto de partida para o perene, expresso pela memória, e para o transitório, materializado na certeza do presente. O estilo, repleto de enumerações, fragmentos ou digressões, evidencia que o lugar dos extratos fônicos e semânticos de sua poética é a certeza de que “Sob esse chão/ Alimenta as árvores/A poesia”, para que o leitor possa sentir o aroma do tempo.

 

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