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O amante das amazonas, 25

 

DOZE: MANAUS.

 

 

Juca das Neves não estava. Uma cabocla velha lhe disse:

- Está no Armazém.

- Onde fica? perguntou Ribamar.

A cabocla se espantou. Como poderia haver alguém que não soubesse onde era o Armazém das Novidades, a famosa loja de Manaus? Mas respondeu:

- Ali na esquina, na Eduardo Ribeiro.

 

 

RIBAMAR desceu pela Rua Barroso. Pegou a 24 de Maio pelas sombras das mangueiras que ali estavam desde há muito anos. Eram mangueiras colossais que davam largas sombras verde-claro e que foram cortadas cinqüenta anos depois.

 

 

Sem pai nem mãe, nem parente algum de que tivesse notícia - sem mesmo nenhum amigo nem ninguém naquele mundo - Ribamar descia a rua 24 de Maio. Mas, em vez de se sentir só, estava leve e aberto às múltiplas possibilidades daquela cidade. Tudo dentro dele dizia que ele pisava aquele solo para vencer.

Um dia, como se tudo tivesse bem pensado, lhe disse a Caxinauá:

- Agora você vai para Manaus

Ele não disse nada, mas sabia que ela tinha razão. O Manixi não mais existia, e o Palácio onde ele agora morava estava em ruínas. A Caxinauá recomendou que ele procurasse Ivete e Juca das Neves. E em uma semana Ribamar saiu dali.

 

 

AGORA ele se admirava da bela rua, porque Manaus era bela. Calma, profunda, na estagnação da crise econômica, esquecida,  abandonada, mas solene. Os grandes e belos palacetes, o ar de soberania art-nouveau - Manaus era uma espécie de cidade -fantasma, mini-metrópole esquecida, batida pela claridade de um sol esplendidamente brilhante. O brilho escorria pelas pedras de morona das calçadas.

Ribamar descia devagar, passava pela calçada da capela de Santa Rita - lugar tão sagrado, que não mais existe. A rua deserta. Todas as casas tinham portas e janelas fechadas. Mas um belo lugar, limpo. Lembrava Paris.

Ele se sentia feliz, como se estivesse no início do caminho da sua vitória. Manaus decaída aparecia, para ele, algo que ele podia reerguer e que amava.

O último dos empregados do Armazém das Novidades fôra-se da cidade tentar a vida em São Paulo e o emprego era seu. O Armazém, entretanto, estava quase fechando. Ribamar pouco receberia, trabalharia em troca de casa e comida, como faxineiro, balconista, confidente.

Naquela mesma noite, depois do jantar, o patrão conversava com ele. Ribamar contara sua vida, de como não conhecera o pai, de como morreram o irmão e o tio Genaro, no ataque dos Numas. E falou mais. Falou do Rio Jantiatuba, do Seringal Pixuna, do Alfredo. Do Rio Eiru, do Rio Gregório, do Mu, do Paraná da Arrependida, do Riozinho do Leonel, do Tejo, do Breu, do Igarapé Corumbam, o magnífico, do Hudson, do Paraná do Pixuna, do Moa, do Paraná dos Numas, do Juruá-mirim, do Paraná Ouro Preto, do Paraná das Minas, do Amônea. Demorou-se em falar do Paraná dos Numas, do Igarapé do Inferno, do Pixuna e dos aviados dos Ramos.

Juca das Neves discorreu sobre suas doenças e sua desgraça. E que estava arruinado.