Cunha e Silva Filho
Não é todo fim de semana que vou a um shopping do meu bairro, a Tijuca. Com esse calorão insuportável, o shopping tem lá o seu valor porque, logo a partir da entrada, já sentimos a mudança da queda de temperatura. Lá fora, o sol escaldante me lembra o sol de Teresina num ponto tão meu conhecido, a Avenida Frei Serafim, perto da linda e altaneira Igreja de São Benedito, recanto que faz parte ponderável do meu tempo em Teresina. Quantas lembranças!
Ao ir ao shopping tenho três missões: comprar um jornal, entrar na livraria Saraiva e completar o percurso olhando as vitrines a pedido de Elza. Esse trajeto já se tornou um hábito. A saída de casa é motivada também pelo fato de termos que aproveitar o passeio para dar uma caminhada até ao Shopping. Anteontem mesmo, estive lá com Elza e Alexandre, um dos meus filhos, o mais novo. O mais velho, o Francisco, continua em Curitiba, lugar bonito, arejado, de bom clima.
Comprei a Folha de São Paulo. Dei uma olhadela na primeira página, com as chamadas principais, uma das quais era sobre a situação política do país. Para abreviar, se concentrava no governo Dilma e na votação do dia de abertura da sessão plenária para decidir sobre o impeachment da presidente. No Shopping era pouco mais de meio dia. Portanto, a votação não tinha ainda iniciado. Seria às 2 horas.
Olhando ao meu redor, vendo pessoas de todas as idades que iam e vinham pelos corredores principais, nada parecia indicar que o centro nervoso do país, Brasília, ia esquentar.
Gosto de ver pessoas andando no anonimato de cada uma. Percebi que havia pouca gente nos dois principais corredores ladeados por lojas de bom gosto e com preços caros, sobretudo as peças femininas. Olhei, então, mais detidamente para o interior das lojas: quase não havia movimento. Algumas lojas de gente só havia os vendedores..
Depois de algum tempo em que me separei de Elza e do Alexandre, que foram para outros andares do Shopping a fim de ver as vitrines, soube que, na praça da alimentação, havia muita gente. Ou seja, inferi que as pessoas estavam mais para comer do que para fazer compras. Pensei com meus botões: quem tem restaurantes ou lanchonetes não está mal nessa crise tremenda por que estamos passando. Ninguém vive sem comer, porém pode viver sem fazer algumas compras supérfluas.
A coisa mais difícil de explicar-se é o funcionamento das diversas classes sociais existentes aqui no país, das mais baixas até as médias. Excluo os milionários e a burguesia marioandradiana porque esses são os que pouco se importam com a alta do custo de vida. Vivem sempre no paraíso, se movimentam por toda a parte e o mundo global é para eles um lugar só onde o dinheiro às mancheias é a porta de entrada para as delícias pantagruélicas.
Essa realidade especial é comum nas megalópoles: Nova Iorque, Paris, Londres, São Paulo, Rio de Janeiro. Os ricos não se diferenciam. São globe trotters. Seu lema é o hedonismo. Seu limite é o sem-limite de suas mega-contas bancárias a peso de dólar. O paraíso prometido pelas igrejas cristãs é de outra ordem. É pós-morte e somente acessível aos justos e aos bons. Os maus vão para o inferno. Os menos maus para o purgatório e os bons para o Céu.
Entrei na Saraiva. Poucos compradores. Fui logo para a seção de dicionários e de línguas estrangeiras, depois, para a prateleira das obras ensaísticas, de crítica literária, de língua portuguesa - velho hábito meu desde os tempos da universidade nas muitas passagens pelos sebos cariocas. Mas, para a minha biografia, o sebo da São José, hoje reduzido a livros jurídicos, numa espaço pequeno da Rua da Quitanda, centro do Rio, foi o que mais me atraiu, o que mais frequentei por anos. Até do seu proprietário, o Germano, me tornei amigo de longa data. De vez em quando, ainda passo por lá a fim de recordar os velhos tempos de um grande sebo carioca.
Não comprei nada na Saraiva, embora não goste de entrar numa livraria sem comprar algum livro. Procurei um autor e vi que não havia nenhum livro dele. Os que estavam há uns dois meses disponíveis foram todos vendidos. Se quiser comprá-los, tenho que recorrer diretamente à editora pela Internet. Certos livros que nos agradam devemos comprá-los sem pestanejar. Do contrario, muitas vezes não os achamos mais.
Tenho verificado que livros novos estão muito caros hoje com os nosso salários congelados pelo governo Dilma. Só não congelam os dos congressistas, ministros, e o da presidente da República. Todos eles são os que primeiro determinam o próprio aumento anual, com crise ou sem ela, de seus polpudos salários.
O funcionalismo, os barnabés, que se aguentem nas agruras financeiras e até na falta de pagamento como está acontecendo no desastroso governo do Rio de Janeiro, com os aposentados sofrendo privações nunca antes vistas em governos passados. De falta de pagamento dos salários do funcionalismo, só me lembro de um governo, no caso municipal, o do prefeito do Rio, Saturnino Braga, que, por incompetência, afundou a prefeitura carioca. Logo ele, um economista, embora tivesse sido um parlamentar digno. Como esses aposentados, pessoas idosas e frágeis, que percebem vencimentos baixos, poderão comprar alimentos e remédios com preços que não param de subir?
Isso é uma infâmia, uma covardia das autoridades responsáveis. E a raiz dessa situação desesperadora de falta de pagamentos está no descalabro da administração federal que repercute nas finanças estaduais e municipais.O mais indecoroso é que os que ganham os salários mais altos são pagos regiamente pelo governo estadual do Rio de Janeiro. Nestes se incluem, o poder executivo, o legislativo, judiciário e algumas categorias profissionais.
Para eles não tem crise nem roubalheira que impeçam o pagamento de seus salários em dia certo e líquido. E ainda há quem defenda a continuidade do governo federal. Esse defensores da presidente Dilma não têm alma, não têm sensibilidade e sobretudo misericórdia dos desafortunados barnabés? Não se dizem defensores dos injustiçados? Tudo balela de demagogos contumazes. A mim não enganam nem com a gritaria e violência verbal que fazem. Entram por um ouvido e saem por outro. Nem mesmo chegam a entrar, como gostava de dizer um amigo meu austríaco, o velho Sr. Stéfano, refugiado no Brasil no tempo da Segunda Guerra Mundial.
Normalmente, não me demoro muito no Shopping. Por vezes, ao sair da livraria Saraiva, me sento num banco do lado de fora e perto dela. Abro o caderno Ilustrada, na coluna do poeta Ferreira Gullar (nos últimos tempos assinando com frequência artigos criticando argutamente o governo Dilma e o petismo, com um estilo de escrita de alta qualidade e com ética jornalística) e, depois, folheio rapidamente os artigos ou ensaios do caderno Ilustríssima. Gosto de ler também os créditos dos colaboradores que mudam a cada semana.
Decidimos voltar pra casa, sempre a pé, como na ida. No melhor dos lugares, a nossa casa, irei ler parte do jornal O Globo, do dia anterior, sábado, Segundo caderno Prosa & Verso e as duas páginas da seção Opinião. Ainda no mesmo domingo,leio os mencionados cadernos da Folha de São Paulo.