Novidade, modismo e dogma

Por Bráulio Tavares

Três amigos meus (chamemo-los Antônio, Bruno e Carlos, por comodidade), que escrevem livros infanto-juvenis, comentavam seu relacionamento com as editoras, e o modo como certos elementos se impõem dentro de um mercado (“mercado” é a palavra inevitável em tais situações).  Antonio contou: “Levei um livro sobre dois garotos adolescentes cujo passatempo é jogar xadrez.  A editora devolveu o livro, sugerindo que o passatempo dos garotos fosse o skate.  Eu expliquei que o xadrez era necessário à história; que muitos garotos jogam xadrez; que existem campeonatos juvenis por todo o Brasil.  Pode ser menos praticado do que o skate, mas existe.  Não adiantou.  Eles dizem que skate é mais parecido com o jovem-de-hoje do que o xadrez, e que jovem que joga xadrez é introvertido”.


Foi então a vez de Bruno, que contou algo parecido.  Ele mandou um livro sobre um grupo de MPB formado por adolescentes, que tocam flauta, violão, percussão, etc.  A editora devolveu sugerindo que fosse mudado para uma banda de rock, com o mesmo argumento: banda de rock é mais parecido com o universo adolescente.  Bruno insistiu que tinha de ser MPB, porque não entende nada de rock e se fosse falar sobre isso soaria falso.  O editor perguntou: “Mas qual é o seu problema com o rock?  Você é xenófobo, como Ariano Suassuna?”


Carlos nos contou, então, sua via-crucis pessoal.  Encomendaram-lhe um livro de ficção científica para adolescentes.  Ele bolou uma história em que uns garotos achavam uma máquina-do-tempo abandonada, entravam nela e iam parar na Antiguidade remota, onde se metiam nas aventuras do herói Gilgamesh.  Mais uma vez a editora (que não era nenhuma das duas anteriores) devolveu o livro, dizendo que não servia “porque não tinha espaçonaves nem ETs”.


Existe um processo insidioso na indústria cultural.  Certas coisas começam a aparecer aos poucos, como elemento exótico. Ninguém do poder estabelecido (editores, resenhadores, etc.) quer saber daquilo, porque não entende, não sabe do que se trata, e se recusa a investir naquela idéia.  É Novidade demais.  Não interessa.  Quando a idéia é realmente boa, ou quando o movimento que a procura impor no mercado vem de fora, financiado a dólar, ela acaba mesmo se impondo.  Idéias que eram estranhadas e rejeitadas passam a ser encomendadas a peso de ouro, porque se transformaram em Modismo, são “a última onda”, são “o grande lance”, são – fórmula terrível! – a “Tendência do Mercado”.  


E não tarda que essa tendência se transforme em Dogma.  Tudo tem que passar por ali.  Tudo tem que falar naquilo, incluir aquilo, referir-se àquilo, mesmo da maneira mais forçada.  Seja o skate, o rock, a ficção científica, sejam mil outros elementos, o processo é o mesmo.  (Para dar vez ao final feliz: os três livros dos meus amigos acabaram sendo publicados por outras editoras, do jeito que tinham sido escritos.  Nem tudo está perdido.)