Noturno de Oeiras - Elmar Carvalho
Em: 12/12/2012, às 10H31
                            Elmar Carvalho
Meia-noite. 
Metade silêncio, 
metade solidão. 
Atravesso a praça das Vitórias 
na hora dolorosa das doze badaladas 
punhaladas que também me atravessam. 
Da casa de doze janelas 
doze donzelas me espiam com olhares 
que são setas de medo que 
assustam e extasiam. 
Passadas pesadas 
nos assoalhos de tábuas 
dos rugosos sobrados se confundem 
com o batuque tuc-tuc e 
com o atabaque tac-tac 
de meu desengrenado coração. 
A lua se esgueira e espreita 
das frestas das nuvens. 
Os fantasmas caminham 
solenes, devagar, 
visíveis e invisíveis, 
seres que são e não são. 
No horto do Pé de Deus 
visagens rezam contritas. 
No horto do Pé do Diabo 
assombrações assombram 
bichos e visitas. 
À distância a casa da pólvora 
vigia em sua solidez de pedra bruta. 
Nos campanários de antigas igrejas 
algum falecido sineiro repica 
os sinos para si mesmo. 
Uma sonata se evola 
de piano que já não existe. 
E persiste por pura teimosia. 
O suicida se insinua 
no vão da escada de vetusto sobrado. 
Uma taça de prata tilinta e se despedaça... 
O relógio da catedral 
parou no tempo que continua: 
a pátina rói as bordas 
da ferida do mostrador e 
mostra a dor das doze badaladas. 
Negros ainda esperam abolição 
absolvição nas cercanias do Rosário 
pelos pecados que não pecaram. 
As pedras antigas do calçamento 
são percorridas por sombras 
feitas somente de alumbramento. 
O vento que passa 
não é vento: é fru-fru 
de saia de pessoa morta 
ou hálito de porta 
de casa já demolida. 
Da Madona lágrimas escorrem 
e chovem sobre os telhados... 
Oeiras navega na noite 
de um tempo que não termina. 
De um tempo sem medida, fugitivo 
de ampulhetas e relógios. 
 

