Nota zero para a educação brasileira
Por Cunha e Silva Filho Em: 04/08/2014, às 11H04
Cunha e Silva Filho
Já reparou, leitor, que o Brasil é um enigma indecifrável, onde existe o que dá certo, o que dá errado, o que prejudica, o que faz mal a tantos e nada se faz para melhorar nada? Vejamos um dos setores da nossa sociedade civil que causa vexame às nações civilizadas e sérias: a desvalorização dos professores públicos em todos os níveis.
Antigamente, era um lugar comum, ou melhor, uma constatação de que o país paga miseravelmente seus professores primários e secundários a tal ponto que um velho programa do saudoso humorista Chico Anísio, a “Escolhinha do Professor Raimundo,” que durou por muito tempo e sempre batia na tecla de que o salário do professor brasileiro era uma degradação inominável.
Ora, não foi difícil sair da tela da TV para o consenso da comunidade o fato de que o professor era um pé de chinelo, a quem ninguém reconhecia status social e principalmente financeiro. Conheci um professor do ensino médio estadual do Rio de Janeiro que queria alugar um apartamento no subúrbio da cidade e, quando teve que dizer ao “senhorio,” geralmente portugueses, que era professor, isso foi bastante para que quase fosse escorraçado pelo proprietário como cachorro doido.
O programa do Chico Anísio, como uma vez analisei em artigo, tinha, a meu ver, um efeito deplorável: a caricatura do professor antes serviu como combustível para aumentar o descaso da sociedade para a figura do professor. Até nas novelas de televisão um personagem professor é visto como alguém sem crédito e sem realce tanto pela burguesia quanto pela classe média e mesmo as classes menos favorecidas que, hoje, - dizem ( será verdade?) - ascendeu à classe média.
Leio na Folha de São Paulo de ontem, dia 3 de agosto, um contundente artigo com título em interrogação (“Quanto vale um professor?") expondo as agruras dos professores e as injustiças cometidas contra eles. Desta vez, trata-se de professores estaduais de São Paulo, estado com o Orçamento mais rico da Federação, conforme lembram os autores, porquanto o artigo é assinado a quatro mãos, com autores de alto nível reafirmando essa vergonha nacional. O mais grave é que o poder público estadual alega que são muitos os gastos com as universidades estaduais paulistas e, por essa razão não pode remunerar bem os docentes.
Com razão queixam-se os articulistas, - vamos nomeá-los - os jovens professores Daniel Damásio Borges e Ana Gabriela Mendes Braga, da área de Direito, de que, se os salários dos professores universitários estaduais de São Paulo forem comparados aos de outros setores do funcionalismo estadual, torna-se gritante a injustiça contra os mestres. Citam os autores o exemplo de um professor com doutorado e com regime de dedicação exclusiva, cujo salário não passa de nove mil reais, enquanto um médico, “nos termos do recente plano de carreira do governo estadual”, perceberá um salário “muito superior,” - pasmem! – a de um professor titular da Faculdade de Medicina com dedicação exclusiva. Sem desejar subestimar outras profissões, um professor universitário não se faz em quatro anos.
Uma vez que abrace por vocação e destino a atividade docente, fazendo, muitas vezes, carreira brilhante, atrás dele há uma longa história de estudos, de produção científica, de aperfeiçoamento, muitas, vezes, nos grandes centros culturais do mundo, de dedicação ao saber e à cultura de seu país.São longos anos debruçados nos livros, isolados nos laboratórios, na participação com trabalhos de ponta em congressos nacionais e internacionais, na orientação de especialistas, mestres e doutores e na coordenação de pós-doutores, i.e., no crescimento contínuo da produção do conhecimento em elevado nível de aprofundamento. É um construção intelectual-científica de toda uma vida.
Ora, um governo ( e aqui me refiro aos governos federal, estaduais e municipais) que não valoriza seus professores seguramente nunca atingirá uma posição de relevo nos vários campos do conhecimento humano. Estamos atrasados em séculos em setores vitais à demanda das necessidades do mundo contemporâneo.Vejam os exemplos magníficos do valor à educação em países como a China, o Japão, e mesmo os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, a a Alemanha, e outros países adiantados que respeitam o ensino e a educação.
Numa coisa o país cresceu admiravelmente: na corrupção, nas injustiças, na malversação do dinheiro público, na politicagem hoje completamente desacreditada, na violência crônica, na falta de vergonha em escala nacional.
Têm sobras de razão os professores signatários do artigo publicado, por sinal, na página “Tendências/Debates do mencionado jornal. Eu não consigo entender como candidatos, nas próximas eleições, terão tranquilidade para virem a público elogiar a educação brasileira quando todos os que têm um pouco de consciência de nossos direitos de cidadania sabemos que os governos brasileiros há décadas vêm dizendo inverdades sobre uma suposta melhoria do ensino público, sobretudo estadual e municipal. O privado, da mesma forma, tem suas misérias e seus descalabros, uma vez que há diferentes níveis de qualidade do ensino particular, que vão do péssimo ao ótimo e em diferentes regiões do país.
Com que cara aparecerão nas telas de TV os responsáveis pela educação brasileira diante do fechamento de Universidade Gama Filho, por exemplo, uma instituição que já teve seu tempo de apogeu em décadas atrás? Como ficarão seus formandos que estão tendo sérios problemas de ordem pessoal e de auto-estima em face da falta de ajuda do governo federal para uma universidade que já formou tantos profissionais na graduação e pós-graduação que, hoje, estão em posições relevantes em suas atividade profissionais?
.O governo federal não já socorreu até canais de televisão em apuros financeiros, e até bancos privados para que dessem continuidade à suas atividades financeiras? Por que não ajudar, na forma de Lei, aquelas universidades privadas que, por má gestão administrativa, foram levadas à falência. O que o Estado Brasileiro deveria ter feito era apurar as irregularidades praticadas pelos dirigentes dessas universidades, puni-los com rigor e encampar tais instituições. Em países que preservam suas universidades isso jamais aconteceria.
Como se sentirá um ex-aluno de uma universidade que deixa de existir? E sua imagem, e seus brios e sua finalidade cultural para o conjunto das universidades privadas? Um país que respeita o conjunto de seu ensino superior, independentemente de ser uma universidade privada ou pública, é um país que preserva a sua história social.