(Miguel Carqueija)

Recordando um passado que não volta mais:

NOS TEMPOS DA JOVEM GUARDA


    “Será que alguém se apossou do vosso coração a tal ponto, que nele não se encontre mais lugar, nem mesmo o mais ínfimo escaninho, para aqueles que tão cruelmente esquecestes?”  (Nicolai Gógol – “Almas mortas”)


    No dia 6 de fevereiro de 2011, domingo, tive a surpresa de assistir a Nalva Aguiar no programa de Eli Correia exibido pela Rede TV. A antiga cantora da Jovem Guarda, que depois passou para a música sertaneja, pareceu-me bem envelhecida; mas essa é a impressão que temos quando revemos alguém após décadas! A grande mídia “some” impiedosamente com um sem-número de artistas.
    Nalva mostrou sua gravação “Ainda existem cowboys” e eu recordei o seu vozeirão no programa do Roberto Carlos, exibido entre 1965 e 1969.
    Aquele programa marcou época! Apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, seguia ume esquema corrido e democrático. Roberto chegava no microfone, dizia algumas palavras meio bobinhas (ele era simpático, mas bastante enrolado como apresentador) e introduzia algum artista ou conjunto. Cada artista dava seu recado e saía de cena, raramente interpretando mais de um número. Assim, cada programa exibia uma grande quantidade de convidados.
    Foi um tempo ingênuo e alegre, onde os artistas, em geral do rock brasileiro e  gêneros afins, eram habitualmente talentosos e agradáveis.
    Além dos três supramencionados, recordo que desfilaram pelo programa, entre outros nomes, Wilson Simonal, Rosemary, Ronnie Cord, Demétrius, Agnaldo Rayol, Trio Esperança, The Jet Blacks, Cleide Alves, Meire Pavão, Jean Carlo, Ari Sanchez, Prini Lorez, Vanusa, The Golden Boys, Renato e seus Blue Caps, Ana Maria, Idalina de Oliveira, Trio Ternura, Orlandivo, Serguei, Toni Campelo, Os Vips, Ellis Regina, Ronnie Von, Marcos Roberto, Wanderley Cardoso, Nalva Aguiar, Enza Flori, The Snakes, Rossini Pinto, The Fevers, Wilson Miranda, Agnaldo Timóteo, Débora Duarte, Annik Malvil, Ed Carlos, Lafayette, Brazilian Beatles, Jorge Ben, Leno e Lilian, Reinaldo Rayol, Ed Wilson, Kátia Cilene, Martinha, Ataulfo Alves, Bob Nelson, José Ricardo, The Bells, os Três Tons, Moacir Franco, Sérgio Reis, Adilson Ramos, Silvinha e Eduardo Araújo, Luiz Airão e Os Incríveis.
    O começo do fim foi a participação de Roberto Carlos no Festival de San Remo em 1968, que ele ganhou junto com Sergio Endrigo, interpretando uma canção chatíssima. Com a ausência de Roberto, Wanderléa e Erasmo tentaram “segurar as pontas” durante algum tempo. Em 1969 o programa saiu definitivamente do ar, em circunstâncias mal esclarecidas.
    Ora, aquele horário na tv representava a âncora do movimento e Roberto Carlos, a sua locomotiva. Não deveria ter sido assim, mas era. A própria mídia se importava mais com os movimentos de “tropicalia” e MPB, tidos como mais sérios, embora fossem, evidentemente, mais chatos. A maioria dos “jovenguardistas” viu-se no mato sem cachorro; suas bases não eram muito firmes. Pesquisas na internet revelam que muitos só gravaram discos até os anos 60 ou início da década seguinte. A maioria sumiu, às vezes reaparecendo eventualmente, lançando algum CD, fazendo shows aqui e ali, mas já sem suporte na grande mídia, que é cruel com os esquecidos.
    A essa altura muitos já morreram: Ronnie Cord, Ed Wilson, Silvinha Araújo, Antonio Marcos, Cely Campelo, Wilson Miranda, Sérgio Murilo, José Ricardo, Paulo Sérgio, Wilson Simonal, um dos Golden Boys... José Ricardo estava tão esquecido — ele, que foi uma coqueluche — que eu nem soube da sua morte; só vim a saber muito tempo depois.
    E Roberto Carlos? Um contrato milionário da Rede Globo isolou-o dos fãs e dos antigos companheiros. Apresentando um especial anual, Roberto tornou-se uma figurinha difícil. E os artistas chamados geralmente não têm nada a ver com a sua antiga praia. Não sei de nenhum da Jovem Guarda que tenha sido convidado, afora Erasmo, Wanderléa e Jorge Ben. Onde estaria Roberto durante o impiedoso boicote da mídia que destruiu Simonal, que tanto confraternizou com ele no programa Jovem Guarda?
    De fato, o especial natalino de Roberto Carlos em geral só convida artistas que estejam na crista da onda, por mais ruins que sejam. É um programa chato e elitista, apenas isso.
    Às vezes eu me pergunto: será que o Roberto Carlos, nos seus momentos mais íntimos, ainda se lembra da quinta parte dos artistas aqui listados?