Alexandre Magno, que teve como preceptor na infância ninguém menos que Aristóteles, um dos mais iluminados e sábios homens do seu e de todos os tempos, com menos de vintes anos, mas verdadeiramente preparado para ser o monarca que foi, assumiu, no lugar de seu pai, o rei Felipe, o império da Macedônia, de onde sairia a conquistar o mundo até então conhecido. Diz-se que, certa feita, de tanto ouvir falarem e de já quase sentir afeição por ele, decidiu conhecer, mais de perto, o filósofo Diógenes de Sínope, o Cínico. Encontrou-o, em plena luz do dia - não se sabe se, antes ou depois de esse sair, com lanterna na mão, à procura de um homem honesto -, em frente ao barril que lhe servia de lar e refúgio.

 O rei, mesmo sabendo de sua fama de contrapor-se às normas sociais válidas para a maioria dos indivíduos normais, estranhou o fato de um homem tão culto viver em condições subumanas, maltrapilho, magro, sujo e em um antro daqueles. Refeito, iniciou o diálogo apresentando-se ao filósofo como Alexandre, novo imperador da Macedônia. Em um ato magnânimo, disse ao cínico que lhe pedisse o que quisesse, aquilo de que estivesse precisando, e seria atendido. Ele respondeu à apresentação real afirmando ser Diógenes, o cínico. Após pensar por alguns minutos e como o corpo do rei, por estar em pé, impedisse que o sol entrasse plenamente em seu barril, pediu-lhe: afasta-te, não me tapes o sol! Entre surpreso e estupefato, mas sem esboçar qualquer atitude vingativa ou revanchista – daí por que foi o Grande -, ignorou-o e partiu.

            Se esse diálogo houvesse sido travado entre um iracundo e ranzinza magistrado - useiro e vezeiro em mandar prender servidores públicos que, no cumprimento de suas atribuições funcionais, abordam-no na condição de cidadão comum, fora de seu gabinete judicial e agindo irregularmente - e um moderno Diógenes, certamente, aquele, não somente mandaria trancafiá-lo, como talvez exigisse alguma reparação por danos morais à sua excelência, desacatada.

            Por outro lado, quem sabe em um encontro inusitado de um divinizado juiz com um novo Diógenes, no momento em que este expunha exagero filosófico de que o tal não gostara ou com o qual não concordara, a força pública requisitada pelo meritíssimo, mostrando o preparo e a inteligência demonstrados por Alexandre naquela ocasião, diante do verdadeiro cínico, sopesando a situação e não vendo nela qualquer sinal de ilegalidade ou irregularidade, e considerando a atitude do magistrado mera diatribe, chilique, intransigência e egocentrismo, simplesmente, deixasse de cumprir a determinação judicial de prender ou deter quem apenas dava vazão ao seu direito de livremente expressar-se. Provavelmente, qualquer dos Diógenes, tanto o fictício desta crônica, quanto o cínico dos tempos do grande imperador macedônico, preferisse a cadeia ou a masmorra, a compactuar com injustiças verdadeiramente humanas.

Mesmo os guardiões burocrata-corporativos da justiça que se julgam inatacáveis, irretocáveis, sublimes, sobrenaturais, não passam de mortais comuns, falíveis e imperfeitos; aliás, alguns exageram e se transformam em perfeitos idiotas. A propósito, bom que se diga: nem Alexandre, o Magno, era deus.

            Voltando a Alexandre, o Grande, reza a lenda – ou seria a História? - que, ao se afastar de Diógenes, naquele dia, teria dito: se não fosse Alexandre, queria ser Diógenes. E partiu para conquistar o mundo.

Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal escritor piauiense ([email protected])