NAVEGANDO O VELHO MONGE
Por Elmar Carvalho Em: 24/01/2013, às 18H13
ELMAR CARVALHO
No domingo, minha filha Elmara Cristina, cedo da manhã, fugindo ao seu hábito de dormir até mais tarde, me recomendou tivesse cuidado no passeio a barco que iria fazer, navegando o Parnaíba. Disse-lhe para não ter preocupação, pois eu sabia nadar razoavelmente ou mais. Ela retrucou, jogando uma ducha de água gelada no meu entusiasmo algo fanfarrão:
- Pai, o senhor já está velho...
Em companhia de Antônio José, meu irmão, que foi o repórter fotográfico da expedição lírico-etílico-ecológica e do amigo Zé Francisco Marques, cheguei ao IATE às 10 horas em ponto, conforme havia combinado com o delegado Roberto Carlos, que já se encontrava no local, juntamente com seu amigo Valério Freitas Mendes, procurador da Fazenda Nacional. Após os cumprimentos e apresentações iniciais, posto que alguns de nós não nos conhecíamos pessoalmente, desatracamos o barco e começamos o passeio, seguindo em direção à estação de captação d' água de Teresina, para fugirmos da poluição dos esgotos, cujos dejetos são lançados diretamente ao rio, sem nenhuma forma de tratamento.
Disse ao Valério que havia sido aluno de seu tio, o juiz aposentado Anchieta Mendes, em Parnaíba, no curso de Administração de Empresas. Recordei que o seu pai, o professor universitário Noé Mendes fora um grande ativista da cultura piauiense, e dirigira a Fundação Cultural Monsenhor Chaves; fora também um notável folclorista e um defensor da ecologia piauiense, tendo participado de uma expedição que percorrera o rio Parnaíba (salvo engano, desde as nascentes até o delta), no intuito de verificar o seu estado de assoreamento e de degradação de suas nascentes e matas ciliares. A embarcação recebera o nome bem humorado de Barca de Noé.
Quando chegamos perto da bela e elegante ponte metálica, o motor de popa deu sinais de que iria falhar, e efetivamente falhou. Ficamos à deriva por breve momento, mas não perdemos a calma e nem a compostura. O Valério, que pilotava a embarcação, fez imediatas tentativas de ligar o motor, vindo ele a funcionar com toda desenvoltura, enfrentando bravamente a forte correnteza, uma vez que o volume d' água do Parnaíba aumentara de forma considerável, com as recentes chuvas a montante de Teresina, sobretudo na região de suas nascentes. Tanto que quase todas as coroas já estavam completamente submersas, e a corrente fazia rolar touceiras de capim, troncos, galhos e pedaços de ribanceiras.
No percurso, vimos as várias bocas de esgotos que emporcalham o rio, o que nos causa viva repulsa, nos tempos ecológicos de hoje. Pude notar que, em certos trechos, a mata ciliar se mostra relativamente bem conservada, o que impede ou diminui o assoreamento e dá beleza à paisagem ribeirinha. Em meados da década de 70, participei de piquenique na floresta que havia perto da ponte metálica, do lado de Timon, com o Otaviano, o Pinto e umas amigas. Umas imensas mangueiras davam sombra e beleza ao aprazível local. No início dos anos 80, ainda curti as coroas de areia, e nadei em suas proximidades, sem medo e sem nojo de eventual poluição, que já deveria existir na época.
Ao nos aproximarmos da chamada Ponte da Amizade, o Valério e o Roberto nos chamaram a atenção para a estrutura e o acabamento dela, e para que depois fizéssemos a comparação com a denominada Ponte Nova, que na verdade já é uma das mais velhas pontes de Teresina, cujo nome oficial é Ponte Engenheiro Antônio Alves Noronha, piauiense, que projetou várias obras importantes, como pontes, edifícios e viadutos. Foi ele uma das mais altas autoridades do Brasil na área de cimento armado. É de sua autoria o projeto da Ponte das Antas e do arsenal da Marinha, na ilha das Cobras. Integrou a equipe responsável pelo projeto do Estádio Maracanã. De fato (fechando o parêntese de homenagem ao engenheiro Noronha), é notória a diferença estrutural entre uma e outra ponte; a da Amizade parece esquelética e trôpega, ao passo que a segunda se mostra robusta, com boa aparência externa, o que parece denotar um serviço bem executado e de acordo com as especificações técnicas, além da utilização de material de boa qualidade.
Ao contemplar a Ponte Engenheiro Antônio Noronha, me recordei de que a atravessei quando eu tinha 16/17 anos de idade, de carona em uma bicicleta, em companhia dos amigos Otaviano Furtado do Vale e Carlos Cardoso, como se fosse uma grande aventura e travessura, para irmos conhecer a cidade de Timon. No mais alto da curvatura da ponte e do alto de minha bisonhice de adolescente, lembrando-me dos magistrais versos de Da Costa e Silva, tentei improvisar um poema, que assim começava: Ó Velho Monge...
Ainda bem que esse poema se perdeu nos cafundós de minha memória. Não era digno do rio, não era digno do excelso poeta, e nem mesmo de mim. De qualquer sorte, celebrava o Parnaíba, cantava-lhe as águas, as matas ribeirinhas, as praias, as ilhas fluviais. Talvez para compensar essa imprudente e afoita verve poética juvenil, escrevi, na maturidade, o poema Amarante, que teve boa acolhida por parte de amarantinos e de críticos literários, o que me redime do cometimento daqueles versos que para sempre se perderam no esquecimento, afogados nas águas barrentas do Velho Monge, retratado em sua beleza pelo bardo amarantino, que deu a esses versos telúricos o sutil veneno da suave melancolia e saudade que lhe inundavam a alma.
Quando nos aproximamos da estação de tratamento d' água da Agespisa, avistamos uma grande e copada árvore, que debruçava os seus galhos/braços para o rio, como se estivesse a nos chamar. Entendemos que ali seria o nosso porto seguro, e ali atracamos o barco. A árvore nos deu sombra, encanto e beleza, e o rio nos deu um banho gostoso, sem poluição, embora (ou por isso mesmo) a correnteza estivesse forte, e as águas profundas. O retorno foi uma outra grande aventura e ventura, mas me dispenso do trabalho de enfadar o leitor com a sua narrativa.
O bravo Roberto Carlos conduzia uma tarrafa, e a lançou ao rio. Talvez tenha sido uma exímia tarrafada, mas a rede ficou presa nas raízes das árvores ribeirinhas. Desenganchar uma armadilha desse tipo é perigoso, e requer experiência e habilidade, pois a pessoa pode enredar-se nas malhas. Um pescador, que se encontrava providencialmente perto, mergulhou nas fundas e barrentas águas, e a retirou. Constatei, então, que o Roberto Carlos é um grande delegado de Polícia, um bom amigo, um piloto de longo curso e de invulgar competência, mas como pescador é um grande contador de história.